domingo, 16 de março de 2014

Festa do Divino




Meio-dia está perto.
Todos se apertam
Na ânsia de querer ver
O império se abrir
No seu espaço vermelho,
Qual fogo e sangue,
Das vidas que assumem
O novo Pentecostes
Da denúncia...

Na ponta dos pés,
Pisando nas folhas de peguassu,
Pombinhas  no peito,
Ar abafado
Todo esforço é feito
Para deslumbrar a Corte
Entronando o Santo Espírito...

É meio-dia
Repicam os sinos
Os rojões estouram
A banda toca
E as bandeiras cruzadas se abrem
Imperador e Imperatriz atentos
Encarnam o símbolo das línguas
Deste Pentecostes
Delator de tantas injustiças e exclusões
Qual manto de dor
A encobrir todas as vidas
Que assumem um novo martírio...

Lágrimas nos olhos
Nó na garganta
Aperto no coração
A saudade do Divino se apaga
Pelo menos neste fim de semana
No choro de simplesmente querer
Vive-lo de novo...


Ernesto Bechelli. Império Divino . In: Flores da Pedra. Itanhaém, 1997.


Império do Divino Espírito Santo. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012


A festa do Divino Espírito Santo data do começo do século XIV, durante a construção da Igreja do Espírito Santo, em Alenquer, Portugal, de acordo com Branco (2005).

É uma festa da liturgia católica celebrada no Dia de Pentecostes, coincide com a Festa das Colheitas do povo judeu, quando se comemora o nascimento dos primeiros frutos agrícolas e a libertação espiritual ocorrida quando Deus entregou as Tábuas da Lei à Moisés, no Monte Sinai. Ocorre sete semanas após a Páscoa. (BRANCO, 2005, p.131)

            A fé espalhou-se por todo o país já no século XVI, com os primeiros colonizadores e é celebrada desde as primeiras comunidades litorâneas: Itanhaém, Iguape e Cananéia. Popularmente, a celebração relembra a “abdicação” simbólica da Imperatriz, rainha Izabel, esposa do rei de Portugal, D. Diniz, em favor do Divino Espírito Santo a fim de que Portugal saísse de uma grande crise econômica e política.
             Após a saída da crise, como nos conta Branco (2005), a Imperatriz atendendo aos apelos do povo reinvestiu-se de sua realeza e fez promessa de que todo ano novo, no Dia de Pentecostes, repetiria simbolicamente a cerimônia de consagração do Reino Português ao Divino Espírito Santo, levando á Catedral a sua coroa, o cetro e a sua bandeira. O cortejo e a cerimônia configuravam a promessa da imperatriz que a partir daquele instante, recolheu-se a um convento e aguardou os acontecimentos. Portugal a partir daquele momento seria governado pelo Divino Espírito Santo. Nesta festa religiosa e folclórica, três são os seus principais personagens – Imperatriz, o Imperador e o Capitão do Mastro – papéis assumidos simbolicamente pelos filhos das famílias mais antigas, mantendo a tradição.
            Quando chegou a Itanhaém (FERREIRA, 2008), a festa do Divino ganhou cores caboclas com uso e costumes tipicamente regionais como: a bandinha “Folia do Divino” e a alvorada com cuscuz de arroz; prato típico praiano cuja confecção foi legada pelos indígenas. Na foto abaixo vemos um grupo de instrumentistas de metal, os quais interpretam melodias centenárias. Durante o cortejo, pude ir conversando, questionando aos moradores antigos quais eram seus sentimentos em relação à festa, à tradição guardada e é impossível conter a emoção perante tal assunto. Tais moradores orgulham-se de poder ouvir novamente, a cada novo ano as melodias interpretadas pelos instrumentos de metais as quais ouviram outrora.



Bandinha do Divino. Foto de Thais Oliveira Silva 20. Mai. 2012


      De modo resumido, a Festa pode se descrever com seu início há Sessenta dias após o Carnaval, a chamada “Folia do Divino”, com a chegada das bandeiras preparando os lares e abençoando a todos por onde andam. Um domingo que antecede à erguida do Mastro há a Folia do Divino no Bairro do Rio Acima, ocorrendo a procissão de barcos até o local. Após temos a erguida do Mastro, liderada pelo Capitão do Mastro, dando o início marcante da fé caiçara de outrora e agora. Neste período são celebrados os Setenários na Igreja Matriz de Santana e as Procissões pela cidade. A Abertura do Império acontece com a presença do Imperador e da Imperatriz. O encerramento da festa ocorre com a Descida do Mastro e a Bandinha do Divino a tudo acompanha.
            Os atos litúrgicos desta Festa são marcados pela realização de um Setenário de preparação espiritual, que tem inicio no domingo e termina no sábado seguinte, véspera do Domingo de Pentecostes, que é festejado com celebrações próprias e a solene procissão do Divino Espírito Santo. Durante os sete dias que antecedem a festa, realiza-se, na Igreja Matriz de Santana, à noite, a cerimônia da benção do Santíssimo Sacramento, com orações e cânticos, destacando-se belíssima jaculatória.
            Algo marcante ocorre fora da Igreja, nas barracas em frente à mesma. É algo belo de se presenciar. O antigo mutirão, o ajuntamento da comunidade trabalhando para um mesmo fim ainda permanece. É a Soca do Cuscuz. O cantar das batidas ritmadas do pilão no sobe de desce de braços fortes vão se sucedendo durante a soca – são homens que se somam: idosos, habilidosos, iniciantes, curiosos, rapazes e por que não um pouco mais que crianças. Socando o arroz, a erva-doce e açúcar que se transforma em farinha perfumando o ar e parando nas peneiras para ser depurada e moldada em panos de prato habilmente dobrados. Assim essa massa é levada ao fogo em banho-maria para ser cozida sem a pressa da modernidade.
            É assim que o cuscuz caiçara vem percorrendo gerações e esperado não só pelos devotos do “Divino Espírito Santo”. O cuscuz aqui de Itanhaém é elemento vital para a nossa festa! Indiferente ao trabalho, a vigília ou sono, o sereno envolve a cidade noturna e escura, as luzes amareladas ganham nuances nostálgicos ajudando a compor o cenário da “Vila Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém”. É o preparo da “Alvorada”!

Pois bem, através de registros orais colhidos das pessoas queridas de Itanhaém, ficamos conhecendo a iniciativa da família Totó Mendes de tornar essa acolhida mais calorosa e participativa, então se organizou a “soca coletiva” e o que era feito no interior das casas em estilo colonial, com suas portas logo na calçada, passou a ter um local comum, reunindo pilões, braços fortes, suor, trabalho, risos, fogão à lenha, conversas e cantorias atravessando a madrugada até o alvorecer do dia com o cuscuz pronto e o café cheiroso perfumando as ruas. Assim com o toque da “Folia do Divino”, as pessoas iam se chegando com suas velas nas mãos, iluminando o céu ainda escuro e úmido com a neblina que sempre emoldurava a procissão no encontro de todas as idades unidas pela fé e devoção ao Divino Espírito Santo. (FERREIRA, 2008, p. 205)

            A geografia urbana da cidade sofreu algumas mudanças e as ruas estreitas laterais a Matriz se transformaram em um grande calçadão, mas o cordão de gente que compõe a procissão segue os caminhos do coração percorrendo os caminhos do núcleo da antiga Vila. (FERREIRA, 2008) Tal Cortejo desperta a curiosidade e admiração de todos por onde passam.
            Hoje, as tendas para o preparo do cuscuz, assim como as barraquinhas de comes e bebes e brincadeiras são armadas em frente a matriz e o calçadão. A praça iluminada se prepara para o que é tradição que sobrevive ao tempo e nos ilumina com a graça do Pai, do Filho e do Divino Espírito Santo.
            De acordo com a Tradição, o Mastro encontra-se num local afastado, o qual, em cortejo, é carregado pelos moradores. Já pela manhã deste dia eu o vi em frente á Prefeitura Municipal e como eu desconhecia esta tradição meu coração encheu-se de curiosidade, porém, através de seu intenso vermelho, pude antecipar que estava relacionada com a Festa do Divino, cor presente em todo o Centro durante a Festa. Presente nas roupas dos moradores envolvidos na Festa, nas bandeirinhas em Frente à Igreja Matriz, em pequenos, porém significativos detalhes, ressaltando a Realeza concedida á Pureza do Espírito Santo, representado pela cor branca. Na fotografia abaixo, moradores locais estão postados em frente à Prefeitura para iniciar o Cortejo. Diversas mãos com o auxílio de tecidos também vermelhos, carregam o Mastro até a Praça Central, Narciso de Andrade, com seus corações transbordantes de fé e emoções visíveis.
            Solene, o mastro é erguido por muitas mãos, altivo e forte como símbolo da proteção do Divino Espírito Santo sobre nossa cidade.  O cenário aumentava em beleza e até hoje é um momento de muita emoção, onde a população, emanada pela força da fé, soma-se em um grande encontro de mãos idosas e novas, ainda procurando o mastro para fazer suas preces e pedidos e não há quem não se emocione: lágrimas vindas do coração brilham nos olhos dos fiéis (e os não tão devotos assim) em um movimento único de união, em louvor à Santíssima Trindade. Como um momento de renovação e a esperança que surge para emoldurar esse encantamento.


 Erguido por muitas mãos. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012

            Como observamos na imagem abaixo, o Cortejo do Mastro é acompanhado por diversos moradores. A tomada desta imagem foi feita em frente á atual Biblioteca Municipal, onde anteriormente era sede da Prefeitura local.


 Cortejo do Mastro. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012


            A tradição é revivida em Itanhaém através de rituais e celebrações que envolvem muitos simbolismos e sentimentos. (FERREIRA, 2008). Cada cor utilizada, cada trajeto percorrido, tudo é simbólico, é tradicional e os moradores ousam em guardá-lo sabiamente.


As Bandeirinhas de Emídio e Volpi. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012


            Observar o Céu acima da Igreja Matriz nesta época tem-se esta visão: bandeirinhas vermelhas e brancas contra o intenso céu azul de Maio.  Tal tema encantou até mesmo o Pintor ítalo-brasileiro Alfredo Volpi (1896 – 1988), que ao visitar Itanhaém conhece Emídio de Souza (1867 – 1949), um artista local que retratava a cidade e seu cotidiano com simplicidade e pureza, o qual por conta disto é considerado o primeiro pintor primitivista brasileiro (FERREIRA, 2008). As bandeirinhas itanhaenses por certo tempo receberam atenção especial de Volpi, sendo estas um constante tema.
            Os moradores locais, que professam a religião católica anseiam o ano todo para que as Festas enfim iniciem. Todos sempre com um belo sorriso no rosto, sua devoção transparecendo em seus rostos iluminados, cheios de esperança e gratidão.



Erguida do Mastro. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012

            Na foto acima temos a imagem de diversas mãos empenhadas para um único fim: a Erguida do Mastro portando a Bandeira do Espírito Santo. A soma de muito esforço debaixo do sol de meio dia para um bem comum: a proteção e benção da divina Terceira Pessoa da Trindade.
            A foto abaixo tocou-me profundamente, pois a senhora que está tocando o mastro chegou-se com muita dificuldade. A multidão estava intensa, uma massa compacta, todos queriam tocar no Mastro. Provavelmente familiares, conduziram a cadeira de rodas desta senhora para enfim ela erguer seu braço e com fé, tocar no Mastro, com a certeza de que o esforço não foi em vão, que a benção da proteção a acompanharia. Desconheço sua história de vida, mas provavelmente esta não foi a primeira vez em que ela fez este gesto, observei que havia familiaridade, confiança ao chegar, acredito que tal fé é praticada desde que suas mãos eram jovens.


Fé e Tradição bem guardada. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012

            Elizabeth Cury Bechir Watanabe (1956-) auxilia a todos sempre de bom coração e disposição evidente. Ela também faz parte da diretoria da APRODIVINO e bem mais que ocupar cargos da diretoria, estes membros esforçam-se não apenas academicamente, mas efetivamente, para que todos os preparativos desta Grande Festa estejam em ordem. Durante a Procissão de barcos para o Bairro do Rio Acima, eu a observei atentamente, registrando seus atos altruístas durante a travessia, num domingo bem ensolarado do mês de Maio, onde ficou atenta neste trapiche até que todos os foliões tivessem atravessado o Rio, para enfim, ela também ir descansar na outra margem. O posicionamento dela dá-nos a impressão que ela sente a inclinação da imagem, procurando segurar-se em algo para que não venha a cair.




Disposição Evidente. Foto de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012

            O ponto alto desta festa a meu ver, o qual me tocou profundamente foi a procissão de barcos pelo Rio Itanhaém até o Bairro do Rio Acima. Fato este já tradicional de nossa cidade, porém foi minha primeira vez, bem como primeira vez que andei de barco. A vista fantástica e sempre desejada pude enfim ver: sempre quis saber como era depois da curva que o Rio descreve, visto do alto da Ponte da Rodovia Padre Manoel da Nóbrega. Agora lá estava eu, finalmente contemplando algo que sempre desejei ver. O percurso foi longo, cerce de trinta minutos ou mais, mas pude fruir cada instante, cada vista, cada nova descoberta. O Rio cortou diversos bairros que eu já havia percorrido, agora eu os via de maneira singular: do meio do Rio. A foto abaixo mostra a composição que obtive no dia 06 de Maio de 2012. Desejei enfocar o belo reflexo do sol da manhã sobre o Rio, com a bandeira em primeiro plano. A cor viva deste escarlate da bandeira e suas fitas multicores somados ao tranquilo tom de azul das águas busca a harmonia nesta imagem. O verde de minha terra, formado pelos manguezais contribuem para a imagem, auxiliando no belo reflexo sobre o Rio.

Procissão pelo Rio. Foto de Thais Oliveira Silva. 06 de Maio de 2012.

            Através de e-mail, o fotógrafo português, João Evangelista (2012) lê a imagem fotográfica desta forma:
Só a originalidade com que você representou esta procissão para mim já deu valor a esta foto! Tudo está aqui sem cair no lado mais banal deste tipo de assunto. A procissão no rio na sua essência máxima! Sobretudo para quem vive neste lugar, pois não precisa de mais nada para perceber o que esta foto representa e que ela foi captada num dia diferente de todos os outros dias do ano.
E com esta composição diagonal, as linhas horizontais no rio passaram a transmitir dinamismo e movimento em vez de estabilidade... E a bandeira que numa composição "normal" estaria bem mais na vertical acaba estando quase na horizontal "roubando" a função de transmitir tranquilidade que era das linhas suaves do rio... O que era tranquilo passou a ser dinâmico e vice-versa.
Muito bom como as coisas mais banais passam a ter um novo significado visual nas suas fotos, Transmitindo sensações que nunca transmitem em composições "normais".
Cada pessoa é única e cada visão pessoal também e isso nos enriquece a todos mutuamente com suas particularidades únicas e você é bem a prova disso mesmo.   
Quem olha suas fotos como deve ser aprende com sua visão única do mundo que rodeia você... Obrigado Thais!
(PEREIRA, João Evangelista Dos Santos. JEvangelista. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por < jespcl3@yahoo.fr> em 07. Jun. 2012). 


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