Meio-dia está perto.
Todos se apertam
Na ânsia de querer
ver
O império se abrir
No seu espaço
vermelho,
Qual fogo e sangue,
Das vidas que assumem
O novo Pentecostes
Da denúncia...
Na ponta dos pés,
Pisando nas folhas de
peguassu,
Pombinhas no peito,
Ar abafado
Todo esforço é feito
Para deslumbrar a
Corte
Entronando o Santo
Espírito...
É meio-dia
Repicam os sinos
Os rojões estouram
A banda toca
E as bandeiras
cruzadas se abrem
Imperador e
Imperatriz atentos
Encarnam o símbolo
das línguas
Deste Pentecostes
Delator de tantas
injustiças e exclusões
Qual manto de dor
A encobrir todas as
vidas
Que assumem um novo
martírio...
Lágrimas nos olhos
Nó na garganta
Aperto no coração
A saudade do Divino
se apaga
Pelo menos neste fim
de semana
No choro de
simplesmente querer
Vive-lo de novo...
Ernesto Bechelli.
Império Divino . In: Flores da Pedra. Itanhaém, 1997.
Império do Divino
Espírito Santo. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012
A
festa do Divino Espírito Santo data do começo do século XIV, durante a
construção da Igreja do Espírito Santo, em Alenquer, Portugal, de acordo com
Branco (2005).
É
uma festa da liturgia católica celebrada no Dia de Pentecostes, coincide com a
Festa das Colheitas do povo judeu, quando se comemora o nascimento dos
primeiros frutos agrícolas e a libertação espiritual ocorrida quando Deus
entregou as Tábuas da Lei à Moisés, no Monte Sinai. Ocorre sete semanas após a
Páscoa. (BRANCO, 2005, p.131)
A fé espalhou-se por todo o país já
no século XVI, com os primeiros colonizadores e é celebrada desde as primeiras
comunidades litorâneas: Itanhaém, Iguape e Cananéia. Popularmente, a celebração
relembra a “abdicação” simbólica da Imperatriz, rainha Izabel, esposa do rei de
Portugal, D. Diniz, em favor do Divino Espírito Santo a fim de que Portugal
saísse de uma grande crise econômica e política.
Após a saída da crise, como nos conta Branco
(2005), a Imperatriz atendendo aos apelos do povo reinvestiu-se de sua realeza
e fez promessa de que todo ano novo, no Dia de Pentecostes, repetiria
simbolicamente a cerimônia de consagração do Reino Português ao Divino Espírito
Santo, levando á Catedral a sua coroa, o cetro e a sua bandeira. O cortejo e a
cerimônia configuravam a promessa da imperatriz que a partir daquele instante,
recolheu-se a um convento e aguardou os acontecimentos. Portugal a partir
daquele momento seria governado pelo Divino Espírito Santo. Nesta festa
religiosa e folclórica, três são os seus principais personagens – Imperatriz, o
Imperador e o Capitão do Mastro – papéis assumidos simbolicamente pelos filhos
das famílias mais antigas, mantendo a tradição.
Quando chegou a Itanhaém (FERREIRA,
2008), a festa do Divino ganhou cores caboclas com uso e costumes tipicamente
regionais como: a bandinha “Folia do Divino” e a alvorada com cuscuz de arroz;
prato típico praiano cuja confecção foi legada pelos indígenas. Na foto abaixo vemos um grupo de instrumentistas de metal, os quais interpretam melodias
centenárias. Durante o cortejo, pude ir conversando, questionando aos moradores
antigos quais eram seus sentimentos em relação à festa, à tradição guardada e é
impossível conter a emoção perante tal assunto. Tais moradores orgulham-se de
poder ouvir novamente, a cada novo ano as melodias interpretadas pelos
instrumentos de metais as quais ouviram outrora.
Bandinha do Divino.
Foto de Thais Oliveira Silva 20. Mai. 2012
De
modo resumido, a Festa pode se descrever com seu início há Sessenta dias após o
Carnaval, a chamada “Folia do Divino”, com a chegada das bandeiras preparando
os lares e abençoando a todos por onde andam. Um domingo que antecede à erguida
do Mastro há a Folia do Divino no Bairro do Rio Acima, ocorrendo a procissão de
barcos até o local. Após temos a erguida do Mastro, liderada pelo Capitão do
Mastro, dando o início marcante da fé caiçara de outrora e agora. Neste período
são celebrados os Setenários na Igreja Matriz de Santana e as Procissões pela
cidade. A Abertura do Império acontece com a presença do Imperador e da
Imperatriz. O encerramento da festa ocorre com a Descida do Mastro e a Bandinha
do Divino a tudo acompanha.
Os atos litúrgicos desta Festa são
marcados pela realização de um Setenário de preparação espiritual, que tem
inicio no domingo e termina no sábado seguinte, véspera do Domingo de
Pentecostes, que é festejado com celebrações próprias e a solene procissão do
Divino Espírito Santo. Durante os sete dias que antecedem a festa, realiza-se,
na Igreja Matriz de Santana, à noite, a cerimônia da benção do Santíssimo
Sacramento, com orações e cânticos, destacando-se belíssima jaculatória.
Algo marcante ocorre fora da Igreja,
nas barracas em frente à mesma. É algo belo de se presenciar. O antigo mutirão,
o ajuntamento da comunidade trabalhando para um mesmo fim ainda permanece. É a
Soca do Cuscuz. O cantar das batidas ritmadas do pilão no sobe de desce de braços
fortes vão se sucedendo durante a soca – são homens que se somam: idosos,
habilidosos, iniciantes, curiosos, rapazes e por que não um pouco mais que
crianças. Socando o arroz, a erva-doce e açúcar que se transforma em farinha
perfumando o ar e parando nas peneiras para ser depurada e moldada em panos de
prato habilmente dobrados. Assim essa massa é levada ao fogo em banho-maria
para ser cozida sem a pressa da modernidade.
É assim que o cuscuz caiçara vem
percorrendo gerações e esperado não só pelos devotos do “Divino Espírito Santo”.
O cuscuz aqui de Itanhaém é elemento vital para a nossa festa! Indiferente ao
trabalho, a vigília ou sono, o sereno envolve a cidade noturna e escura, as
luzes amareladas ganham nuances nostálgicos ajudando a compor o cenário da
“Vila Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém”. É o preparo da “Alvorada”!
Pois bem, através de registros orais colhidos
das pessoas queridas de Itanhaém, ficamos conhecendo a iniciativa da família
Totó Mendes de tornar essa acolhida mais calorosa e participativa, então se
organizou a “soca coletiva” e o que era feito no interior das casas em estilo
colonial, com suas portas logo na calçada, passou a ter um local comum,
reunindo pilões, braços fortes, suor, trabalho, risos, fogão à lenha, conversas
e cantorias atravessando a madrugada até o alvorecer do dia com o cuscuz pronto
e o café cheiroso perfumando as ruas. Assim com o toque da “Folia
do Divino”, as pessoas iam se chegando com suas velas nas mãos, iluminando o
céu ainda escuro e úmido com a neblina que sempre emoldurava a procissão no
encontro de todas as idades unidas pela fé e devoção ao Divino Espírito Santo.
(FERREIRA, 2008, p. 205)
A geografia urbana da cidade sofreu
algumas mudanças e as ruas estreitas laterais a Matriz se transformaram em um
grande calçadão, mas o cordão de gente que compõe a procissão segue os caminhos
do coração percorrendo os caminhos do núcleo da antiga Vila. (FERREIRA, 2008)
Tal Cortejo desperta a curiosidade e admiração de todos por onde passam.
Hoje, as tendas para o preparo do
cuscuz, assim como as barraquinhas de comes e bebes e brincadeiras são armadas
em frente a matriz e o calçadão. A praça iluminada se prepara para o que é
tradição que sobrevive ao tempo e nos ilumina com a graça do Pai, do Filho e do
Divino Espírito Santo.
De acordo com a Tradição, o Mastro
encontra-se num local afastado, o qual, em cortejo, é carregado pelos
moradores. Já pela manhã deste dia eu o vi em frente á Prefeitura Municipal e
como eu desconhecia esta tradição meu coração encheu-se de curiosidade, porém,
através de seu intenso vermelho, pude antecipar que estava relacionada com a
Festa do Divino, cor presente em todo o Centro durante a Festa. Presente nas
roupas dos moradores envolvidos na Festa, nas bandeirinhas em Frente à Igreja
Matriz, em pequenos, porém significativos detalhes, ressaltando a Realeza
concedida á Pureza do Espírito Santo, representado pela cor branca. Na fotografia abaixo, moradores locais estão postados em frente à Prefeitura para iniciar o
Cortejo. Diversas mãos com o auxílio de tecidos também vermelhos, carregam o
Mastro até a Praça Central, Narciso de Andrade, com seus corações
transbordantes de fé e emoções visíveis.
Solene, o mastro é erguido por
muitas mãos, altivo e forte como símbolo da proteção do Divino Espírito Santo
sobre nossa cidade. O cenário aumentava em beleza e até hoje é um
momento de muita emoção, onde a população, emanada pela força da fé, soma-se em
um grande encontro de mãos idosas e novas, ainda procurando o mastro para fazer
suas preces e pedidos e não há quem não se emocione: lágrimas vindas do coração
brilham nos olhos dos fiéis (e os não tão devotos assim) em um movimento único de
união, em louvor à Santíssima Trindade. Como um momento de renovação e a
esperança que surge para emoldurar esse encantamento.
Erguido por muitas mãos. Foto de
Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012
Como observamos na imagem abaixo, o
Cortejo do Mastro é acompanhado por diversos moradores. A tomada desta imagem
foi feita em frente á atual Biblioteca Municipal, onde anteriormente era sede
da Prefeitura local.
Cortejo do Mastro. Foto de Thais
Oliveira Silva. 20. Mai. 2012
A tradição é revivida em Itanhaém
através de rituais e celebrações que envolvem muitos simbolismos e sentimentos.
(FERREIRA, 2008). Cada cor utilizada, cada trajeto percorrido, tudo é
simbólico, é tradicional e os moradores ousam em guardá-lo sabiamente.
As Bandeirinhas de Emídio e Volpi. Foto
de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012
Observar o Céu acima da Igreja Matriz
nesta época tem-se esta visão: bandeirinhas vermelhas e brancas contra o
intenso céu azul de Maio. Tal tema encantou até mesmo o Pintor
ítalo-brasileiro Alfredo Volpi (1896 – 1988), que ao visitar Itanhaém conhece
Emídio de Souza (1867 – 1949), um artista local que retratava a cidade e seu
cotidiano com simplicidade e pureza, o qual por conta disto é considerado o
primeiro pintor primitivista brasileiro (FERREIRA, 2008). As bandeirinhas
itanhaenses por certo tempo receberam atenção especial de Volpi, sendo estas um
constante tema.
Os moradores locais, que professam a
religião católica anseiam o ano todo para que as Festas enfim iniciem. Todos
sempre com um belo sorriso no rosto, sua devoção transparecendo em seus rostos
iluminados, cheios de esperança e gratidão.
Erguida do Mastro. Foto
de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012
Na foto acima temos a imagem de
diversas mãos empenhadas para um único fim: a Erguida do Mastro portando a
Bandeira do Espírito Santo. A soma de muito esforço debaixo do sol de meio dia para
um bem comum: a proteção e benção da divina Terceira Pessoa da Trindade.
A foto abaixo tocou-me profundamente,
pois a senhora que está tocando o mastro chegou-se com muita dificuldade. A
multidão estava intensa, uma massa compacta, todos queriam tocar no Mastro.
Provavelmente familiares, conduziram a cadeira de rodas desta senhora para
enfim ela erguer seu braço e com fé, tocar no Mastro, com a certeza de que o
esforço não foi em vão, que a benção da proteção a acompanharia. Desconheço sua
história de vida, mas provavelmente esta não foi a primeira vez em que ela fez
este gesto, observei que havia familiaridade, confiança ao chegar, acredito que
tal fé é praticada desde que suas mãos eram jovens.
Fé
e Tradição bem guardada. Foto de
Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012
Elizabeth
Cury Bechir Watanabe (1956-) auxilia a todos sempre de bom coração e disposição
evidente. Ela também faz parte da diretoria da APRODIVINO e bem mais que ocupar
cargos da diretoria, estes membros esforçam-se não apenas academicamente, mas
efetivamente, para que todos os preparativos desta Grande Festa estejam em
ordem. Durante a Procissão de barcos para o Bairro do Rio Acima, eu a observei
atentamente, registrando seus atos altruístas durante a travessia, num domingo
bem ensolarado do mês de Maio, onde ficou atenta neste trapiche até que todos
os foliões tivessem atravessado o Rio, para enfim, ela também ir descansar na
outra margem. O posicionamento dela dá-nos a impressão que ela sente a inclinação
da imagem, procurando segurar-se em algo para que não venha a cair.
Disposição Evidente. Foto
de Thais Oliveira Silva. 06. Mai. 2012
O ponto alto desta festa a meu ver,
o qual me tocou profundamente foi a procissão de barcos pelo Rio Itanhaém até o
Bairro do Rio Acima. Fato este já tradicional de nossa cidade, porém foi minha
primeira vez, bem como primeira vez que andei de barco. A vista fantástica e
sempre desejada pude enfim ver: sempre quis saber como era depois da curva que
o Rio descreve, visto do alto da Ponte da Rodovia Padre Manoel da Nóbrega.
Agora lá estava eu, finalmente contemplando algo que sempre desejei ver. O
percurso foi longo, cerce de trinta minutos ou mais, mas pude fruir cada
instante, cada vista, cada nova descoberta. O Rio cortou diversos bairros que
eu já havia percorrido, agora eu os via de maneira singular: do meio do Rio. A
foto abaixo mostra a composição que obtive no dia 06 de Maio de 2012. Desejei
enfocar o belo reflexo do sol da manhã sobre o Rio, com a bandeira em primeiro
plano. A cor viva deste escarlate da bandeira e suas fitas multicores somados
ao tranquilo tom de azul das águas busca a harmonia nesta imagem. O verde de
minha terra, formado pelos manguezais contribuem para a imagem, auxiliando no
belo reflexo sobre o Rio.
Procissão pelo Rio. Foto de Thais Oliveira Silva. 06 de Maio de
2012.
Através de e-mail, o fotógrafo
português, João Evangelista (2012) lê a imagem fotográfica desta forma:
Só a originalidade
com que você representou esta procissão para mim já deu valor a esta foto! Tudo
está aqui sem cair no lado mais banal deste tipo de assunto. A procissão no rio
na sua essência máxima! Sobretudo para quem vive neste lugar, pois não precisa
de mais nada para perceber o que esta foto representa e que ela foi captada num
dia diferente de todos os outros dias do ano.
E com esta composição
diagonal, as linhas horizontais no rio passaram a transmitir dinamismo e
movimento em vez de estabilidade... E a bandeira que numa composição "normal"
estaria bem mais na vertical acaba estando quase na horizontal
"roubando" a função de transmitir tranquilidade que era das linhas
suaves do rio... O que era tranquilo passou a ser dinâmico e vice-versa.
Muito bom como as
coisas mais banais passam a ter um novo significado visual nas suas fotos, Transmitindo
sensações que nunca transmitem em composições "normais".
Cada pessoa é única e cada visão pessoal também e isso nos enriquece a todos mutuamente com suas particularidades únicas e você é bem a prova disso mesmo.
Cada pessoa é única e cada visão pessoal também e isso nos enriquece a todos mutuamente com suas particularidades únicas e você é bem a prova disso mesmo.
Quem olha suas fotos
como deve ser aprende com sua visão única do mundo que rodeia você... Obrigado
Thais!
(PEREIRA, João Evangelista
Dos Santos. JEvangelista. [mensagem
pessoal] Mensagem recebida por < jespcl3@yahoo.fr> em
07. Jun. 2012).
Outras Imagens:
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