Os
gatos tem um jeito
De
caminhar em minha alma
Como
se minha alma fosse
Um
tapete encantado,
Um
tapete de lua
Ou
uma ponte sobre
Um
rio dourado.
(Roseana
Murray. In: Luna, Merlin e outros
habitantes. Belo Horizonte, Miguilim, 2002)
Para
compor a série fotográfica dos “animais itanhaenses”, caminhei por diversos
bairros durante as férias de janeiro para acompanhar a diversidade dos locais,
população e seus animais. Percebi que onde quer que eu fosse sempre encontrava
algum animal doméstico passeando pela casa ou quintal, ou, no caso de gatos,
debruçados na janela, sonhadores, preguiçosamente. De herança caiçara (BRANCO,
2005), encontrei diversas casas nas áreas periféricas em que havia criações de
galinha, cavalos, enfim, toda sorte de animais oriundos de áreas rurais. Nas
fazendas e chácaras mais afastadas, próximas à Serra do Mar, existem famílias
que criam animais selvagens, não para prendê-los, mas os alimenta, convive com
eles e estes são livres, indo e voltando sempre.
Os inseparáveis cães estão tanto nas áreas urbanas, quanto nas áreas
rurais e periféricas. Deitados na soleira da porta, passeando pelas ruas,
latindo para quem passar, brincando com o que estiver em sua frente,
embrenhando-se no mato em busca de sei lá o quê. Houve cães, que
encontrei em meus trilhares que ousavam aventurarem-se até mesmo na praia e os
mais ousados entravam no mar, acompanhados por outros cães ou sós. A felicidade
destes era contagiante, quando nossa cidade está na época em que há pouco ou
nenhum turista, as praias desertas são os locais mais procurados pelos animais
“itanhaenses”.
A Praia é só nossa! Foto
de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012
Há pouco estive embrenhado no mato,
caçando. Foto de Thais Oliveira Silva. 08. Jan. 2012
Existem
também muitos animais na cidade sem dono, mas estes sabem cuidar de si mesmos,
apesar de todas as dificuldades que passam.
Há
um cachorro que vive na Orla da Praia do Sonho exatamente: não no sentido de ir
sempre lá, ele mora na praia. Tem um imenso quintal de areia só para ele cavar
o quanto quiser, é um animal adorável que gosta de ficar no calçamento da Orla,
observando atentamente quem passa, com ares de sonhador. Muitos já tentaram
levá-lo consigo, entretanto ele volta, gosta mesmo é da liberdade que a praia
lhe oferece. Os guarda-vidas os alimentam e o protegem dos dias de chuva.
Deram-lhe o nome de Pirata, muito sugestivo, já que este também é apaixonado pelo
mar e pela liberdade. Na foto abaixo, vê-se o registro que fiz numa tarde nublada
e solitária. O muro o qual está recostado é o da Orla da Praia do Sonho, o
tempo estava bem frio neste dia, mas ele não estava incomodado nem um pouco. Seu
olhar estava fixo nas ondas do mar à sua frente.
Liberdade, apenas liberdade. Foto: Thais
Oliveira Silva. 03. Jul. 2012
O Jantar está na Mesa! Foto de
Thais Oliveira Silva. 24. Jan. 2012
Em meus trilhares houve diversos encontros
com as aves também. Porém meus registros captaram os urubus e as gaivotas, os
quais disputam intensamente a orla da Praia. No caso dos urubus, obviamente
estão interessados nos peixes putrificados que a maré traz para a praia. Na
imagem acima, vemos um urubu e seu jantar sob os olhares de muita gente, já que
ainda estamos no mês das férias e os turistas a moradores ainda frequentam
constantemente a praia. Ele não está nem um pouco interessado com os
transeuntes, seu jantar lhe parece apetitoso demais para que possa ser abandonado
pelo medo das pessoas. Algo curioso foi captado nesta imagem. O reflexo do
animal sob a areia úmida forma a imagem de um pássaro ambíguo: tem-se a
impressão de haver duas cabeças, dando então para formar uma figura de urubu
tanto pela esquerda, quanto pela direita.
Já as gaivotas, estas são avistadas sempre em
bando. Seu local preferido é a Praia dos Pescadores, onde esperam quase que com
segurando garfo e faca o retorno dos barcos de pesca. Quando avistam as canoas
voltando à praia há uma efervescente revoada sobre os pescadores, os recebem
como os cães a seus donos. Na foto abaixo temos a imagem de um grupo de gaivotas
voltadas para o sol, de costas para o mar. Elas sabem que não é preciso ficar
de frente para as águas, já que acabaram de se despedir de seus queridos
pescadores. Neste momento o que elas estão procurando é apenas receber os raios
solares por todo seu corpo. A Figura 101 é o registro do momento em que
consegui chegar um pouco mais perto delas sem que saíssem voando. Com minha
aproximação elas começam a fugirem, olhando-me zangadas, já que eu estava
atrapalhando o banho de sol delas.
Lugar ao Sol I. Foto de
Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012
Lugar ao Sol II. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012
Como
em minha poética visual não falar dos gatos? Eles me acompanham desde que vim
morar nesta cidade, com quatro anos de idade. Sempre os amei. Gostava de
nomeá-los, senti-los bem perto de mim, apesar das ordens expressas da minha mãe
e do médico para me afastar deles devido meus problemas respiratórios, mas eu
nunca consegui ficar longe deles. Meus hoje em dia, não morando mais em casa
térrea, gosto de andar pela cidade “caçando” gatos, adotando-os nem que seja
apenas por ínfimos instantes. Não sei de onde vem esta atração, se é a leveza
tão bela de seu caminhar, em que parecem estar sempre andando em fios
invisíveis, lindíssimos equilibristas, se é sua atitude não bajuladora, como a
dos cães, os gatos são livres, independentes, mas nem por isso deixam de serem
carinhosos tão amáveis eram os gatos de minha infância, que, ao perceber que
estava triste, achegavam-se a mim, me conheciam de cor e salteado, ficavam tão
próximos, olhando-me profundamente, me aconselhando silenciosamente, com uma
paciência infinita, me contando histórias do mundo dos gatos, aos poucos me
ensinando a ser como eles.
Eu
poderia ter sido imparcial e distribuído igualmente as fotografias em números
idênticos aos cães, aos gatos e aos demais animais que apareceram em meus
trilhares, mas é impossível, bem como Martins (2008) trata, não há como
fotografar e ser imparcial, a imagem sempre irá te “denunciar”, mostrando quem
é você, o que você ama. E é isto o que amo: não há como evitá-los.
A
Alameda Emídio de Souza é um lugar fascinante. Situada próxima à Boca da Barra,
aonde o Rio vem desaguar no mar, o local, encontrado no bairro da Praia dos
Pescadores é sempre procurado por pescadores, amadores ou profissionais;
artesanais ou com aparelhos sofisticados para a pesca e claro: uma infinidade
de gatos. Não digo que eles também são pescadores, nem precisam, pescam com seu
charme e insistência, rodeando os pescadores a qualquer hora do dia e da noite.
Ganham sempre os peixes menores que estes pescam. Gatos que saboreiam
intensamente sua liberdade, chamando atenção dos transeuntes para a harmonia
entre eles e os pescadores. Quando passo por lá percebo o entendimento
silencioso entre eles, é um momento admirável.
O olhar. Foto: Thais Oliveira Silva. 04. Dez. 2011
Neste
local ocorreram minhas primeiras fotografias e qual não será a surpresa do
leitor ao saber que minha primeira fotografia para esta série direcionada ao
registro de Itanhaém, no dia 02 de dezembro de 2011, foi uma gata preta que
sempre brinca comigo de “esconde-esconde”. É extremamente arisca, não se deixa
enganar, bajular, mas está sempre a me observar minha lente da câmera
fotográfica.
A imagem acima mostra a felina me observando com um misto de curiosidade e medo.
Gosto de este olhar, ele é profundo, eu poderia mergulhar nele sem nunca
esquadrinhar todos seus segredos. A beleza desta felina, para mim, encontra-se
no contraste de seus belos pelos negros e seus vivos olhos amarelos.
Eu
poderia escrever páginas e páginas de meus encontros e despedidas com os
felinos que encontrei pela cidade, cada qual com uma linda história para me
contar, cada qual com um diferente olhar, as como não é possível, restrinjo-me
apenas a declarar que foram muitos encontros, em diversos e inusitados locais.
Houve o encontro com a gata sentinela dos Casarios do Centro Histórico da
cidade, em que tive de me abaixar para registrá-la embaixo de um carro, tímida,
misteriosa. A felina sabe como vigiar as casas centenárias com seus grandes e
encantadores olhos cor de caramelo e seu macio pelo da cor de neblina
Minha
relação com a felina envolveu muita paciência de minha parte, já que para
conseguir a atenção e a simpatia de um gato é preciso muito tempo. Na Figura 103
a gatinha ao ver minha aproximação pulou do muro dos casarios, a qual estava
postada e escondeu-se embaixo de um carro estacionado. Abaixei-me para
fotografá-la e fui recebida com este meio metro de língua para fora.
Os gatos são animais independentes e algumas vezes possuem uma pitada de
arrogância, porém quando conseguimos ganhar sua confiança tornam-se dóceis,
atenciosos, travando conosco longas conversas telepáticas, quando insistem em
encarar-nos por um longo tempo. Na foto abaixo consegui com que ela saísse
debaixo do carro, mas ainda havia desconfiança no ar. Fui paciente até que a
bela felina ficasse a vontade comigo, demonstrando todo carinho peculiar de um
gato. Finalmente registrei o momento da entrega do animal, onde esta estava
totalmente à vontade com minha presença.
Miss. Simpatia. Foto de Thais
Oliveira Silva. 19. Mar. 2012
Persistente
Desconfiança. Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Mar. 2012
Êxtase Foto de Thais Oliveira Silva. 19. Mar. 2012
Na Figura 106 está registrada uma bela
gatinha que acredita que a folhagem do vaso da porta de minha casa pode
escondê-la. Sua mãe, uma gata preta que cuidamos, dando-lhe sempre carinho e
comida levou seus três filhotes para a porta de nosso apartamento numa
madrugada. Certamente seguiu o raciocínio: se eles são bondosos comigo,
certamente o serão com minhas belíssimas filhas. Porém não tínhamos mais
pretensão de ter animais em casa, as demais gatinhas desistiram, voltando de
onde vieram, mas esta foi persistente. Diversas vezes que eu abria a porta lá
estava ela, “camuflada”, certamente pensando: “só um descuido dela e eu entro e
me escondo no guarda-roupa”, como tentou várias vezes. Porém numa tarde as
gatinhas filhotes sumiram. Espero que elas estejam bem, esta era tão sagaz,
conseguindo até mesmo caçar pombos no estacionamento. Os gatos são peritos na
arte do desaparecimento.
Esconde-esconde. Foto de Thais Oliveira Silva. 08. Mai. 2012
Augusto
era o gato de minha falecida avó. Quando eu ainda morava com ela, o felino
mostrava-se sempre inalcançável, não gostando de colo ou qualquer tipo de agrados,
sua paixão era sair pelo mundo e voltar dias depois, enfim, um gato boêmio. No
dia 04 de janeiro de 2012, em que o registrei, ele estava deprimido, imóvel em
cima da caixa de luz, observando a rua. Foi a primeira vez que
pude passar a mão em seu macio pelo, sem que me custasse um belo arranhão no
braço. Neste dia Augusto aproveitou cada segundo de carinho que estava
recebendo e, em retribuição, como se pressentisse, fez belas poses para minha
lente, como se estas imagens fossem seu pedido de desculpa por tanto tempo de
discórdia entre nós.
Na imagem abaixo está registrada
uma das poses mais frequentes do gato Augusto. Por alguns dias ele tornou-se
uma espécie de sentinela, estava muito atento a quem quer que passe, seus olhos
focavam apenas a rua. Acredito que ele daria tudo para rever minha avó.
Deprimido.
Foto de Thais Oliveira Silva. 10. Jan. 2012
Á espera de quem não irá retornar. Foto
de Thais Oliveira Silva. 10. Jan. 2012
Aprecio
a composição da foto abaixo, pois é como se o Augusto estivesse sentindo a
instabilidade da composição em diagonal e divertindo-se com ela, aproveitando a
adrenalina motivada pela inclinação do enquadramento, tendo seu “mundo inteiro”
fotografado. Já que por um longo período aquele era o único lugar em que ele
ficava, esperando minha avó regressar, passou dias em vigília, mas após uma
longa espera, ele desistiu, percebendo que para onde ela foi não poderia mais
voltar.
Instabilidade do diagonal.
Foto: Thais Oliveira
Silva. 10. Jan. 2012
Por favor, não me siga! Foto de Thais
Oliveira Silva. 24. Abr. 2012
O gato acima é
um dentre os tantos que povoam a Alameda Emídio de Souza, a qual está ancorada
alguns barcos e é frequentada diariamente por pescadores na Boca da Barra. É um
animal extremamente arisco que acredito que eu levaria uns mil anos até que ele
estivesse afetuoso comigo. Na cena registrada, ele está
fugindo de mim, não quer saber de carinho algum, talvez nunca tivessem lhe
proporcionado. Grande parte destes gatos que ali frequentam é arisca,
desconfiam de tudo e de todos, estão a todo o momento em alerta. Busquei nesta
imagem criar um contraste entre a forma quente e suave do gato e as formas
mais rígidas e frias de tudo o que está à sua volta. Ele tem um caminhar
cansado e pesado. Pesado como é tudo o que o rodeia.
Afetos. Foto de Thais Oliveira Silva. 21. Jan. 2012
Há
um clima totalmente diverso acima. Pai e filho trocam carinhos em uma
deliciosa série que fiz destes dois lindos gatos pretos que encontrei no Morro
Piraguyra. Não inclinei a máquina fotográfica nesta imagem, pois não vi
necessidade, já que os próprios corpos destes gatos estão inclinados, num
movimento dinâmico, acolhedor. O filhote é extremamente afetuoso, não
desgrudava de seu pai, exibiam-se para a câmera o máximo que conseguiam.
Ainda
estão lembrados do gato mal humorado ? O que um bom peixe e uma
tonelada de confiança não faz? Este pescador é extremamente paciente,
longanimidade é sua prioridade. Este gato foge de quem quer que se aproxime
dele, mesmo que esteja carregando um imenso peixe. Mas com este pescador, o
gato mal humorado construiu uma ponte. Sempre quando ele vai à Alameda, o gato
lhe procura, gosta de sua companhia, dorme em paz a seus pés após ganhar os
peixes pequeninos que não interessam ao experiente pescador. Na foto abaixo,
numa tarde nublada e fria, atípica de verão, o gato esta lhe lançando um olhar
suplicante, pois pressente que o pescador acaba de trazer à tona um peixe pequenino,
mas o homem é paciente, delicadamente está tirando o anzol do peixe. Instantes
depois o gato deliciou-se com seu prêmio.
O olhar suplicante.
Foto
de Thais oliveira Silva 18. Jan. 2012
Os
felinos estarão sempre espalhados pela cidade, e não apenas eles, há outros
tantos animais. Nós sempre compartilharemos o gosto de cria-los, oriundo dos
antigos caiçaras, com seu modo particular de falar, em que Zwarg, neste cordel
do folclore regional, nos fala da relação de um caiçara com seus animais
domésticos e, com o uso da licença poética, transcreve o modo da fala de um
caiçara:
Onde
está esse gatinho miseráve!
Esse
gatinho miseráve onde é que está?
Será que está, aqui
debaixo da cama?
Ou tá no fogão, sujo
de carvão a me esperá?
E onde é que está
aquele galo caôlho?
Aquele galo que é
viúvo, onde é que está?
Por que num canta? –
“brava-gente-brajirêra?”
Que é para o sol! A
madrugada despertá...
Tem tanta purga e
percevejo nesta “casa”!
Que eu passo o dia
inteiro a me coçá!
E eu não sei, se chamo o Corpo de Bombeiro...
Ou se telefono é pra
polícia Especiá!
E o cachorrinho que
só vive na vizinha?
É lá que tem comida,
e eu sou de cozinha...
Esse cão sarnento
nunca foi é caçadô!
E tô comendo é só
fritura de “içá”...
Essa vizinha, logo tá
lavando rôpa!
Ela é viúva e vim
aqui pra conversa...
Que qué parpite, prá
eu í joga-no-bicho!
E se ela, acertá! – é
capaz de me beijá...
(ai que vergonha)
(Ernesto Zwarg. Êta
Gatinho Miseráve! In: Em “Conceição de
Itanhaen” tem! Itanhaém, Gráfica Básica, 1999)
Muito bom!!
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