É nas festas populares que todos se
reúnem nas praças centrais vestindo seus trajes mais bonitos, com os melhores
sentimentos aflorados num sorriso. Mas mesmo para a comemoração de alegrias e
tradições festivas a cultura popular vem perdendo seus adeptos já que os mais
jovens não querem participar de cantos, músicas e teatralizações que nada se
parecem com o que estão acostumados. Mesmo assim, com persistência, o caiçara
sai, todos os anos, carregando um mastro, tocando um bumbo, ao som das violas e
rabecas afinadas de um modo estranho aos nossos ouvidos, e vão as “bandeiras”
com sua comitiva caminhando pelas ruas da cidade, entoando hinos há muito
cantados. De porta em porta os festeiros se anunciam, dando as “Boas Festas” a
quem os recebe. (BRANCO, 2005, p. 129)
Estas
tradições festivas são reconhecidas por todo Brasil, são semelhantes, pois a
herança é portuguesa. E o povo que comemora, é brasileiro. (BRANCO, 2005) Cada
uma delas encontra-se diversas memórias, em que ao percorrer a rua onde se faz
a procissão há tantos anos, a comunidade ali inserida rememora tantos fatos,
uma saudade única, pois ali estão diversas pessoas dividindo uma mesma
lembrança.
O
historiador Pierre Nora definiu como “lugares de memória” (NORA, 1997) locais
materiais ou imateriais nos quais se encarnam ou cristalizam as memórias de uma
nação, e onde se cruzam memórias pessoais, familiares e de grupo: monumentos,
uma igreja, um sabor, uma bandeira, uma árvore centenária podem constituir-se
em “lugares da memória”, como espelhos, os quais, simbolicamente, um grupo
social ou um povo se “reconhece” se “identifica”, mesmo que de maneira
fragmentada. Estes “lugares” ou “suportes” da memória coletiva funcionam como
“detonadores” de uma sequência de imagens, ideias, sensações, sentimentos,
vivências individuais ou de grupo, nem processo de “revivenciamento” ou de
“reconhecimento” das experiências coletivas, que tem o poder de servir como
substância aglutinante entre os membros do grupo, garantindo-lhes o sentimento
de “pertença” e de “identidade”, a consciência de si mesmos e dos outros que
compartilham esta vivência. [...] Quanto mais ricas e diversificadas as
experiências vividas e compartilhadas por um grupo de pessoas vivendo em
comunidade, mais rica e complexa será esta “Memória”, ou rememoração. (HORTA in SILVA, 2008, p. 111-112)
Quando
usamos o termo “Patrimônio”, estamos nos referindo às coisas consagradas as
quais têm grande valor para comunidades ou nações. A ideia nos remete de acordo
com Vianna in Silva (2008, p.119) à
“riqueza construída e transmitida, herança ou legado que influencia o modo de
ser e a identidade dos indivíduos e grupos sociais”.
Mas
é uma noção relativa, pois depende de quem está falando, qual o seu ponto de
vista. Podem ser sob a perspectiva afetiva, econômica, ambiental ou cultural.
“Patrimônio cultural diz respeito aos conjuntos de conhecimentos e realizações
de uma sociedade, que são acumulados ao longo de sua história e lhe conferem os
traços de sua singularidade em relação às outras sociedades.” (VIANNA in SILVA, 2008, p. 119) Dentre ás outras
espécies de animais, nós somos diferentes, pois a nossa diversidade ocorre
através das inúmeras configurações socioculturais no tempo e no espaço.
Pensemos na sociedade das abelhas ou formigas que são sempre idênticas, as
sociedades humanas são sempre únicas, pois suas culturas também as são.
Para
esta autora, devemos entender cultura os “valores, crenças, práticas e
costumes; ética, estética, conhecimentos e técnicas, modos de viver e visões do
mundo que orientam e dão sentido às existências individuais e coletivas
humanas.” (VIANNA in SILVA, 2008,
p.119)
Desde
o final da segunda guerra mundial têm-se discutido questões acerca do
patrimônio cultural da humanidade e em 1989 houve um documento da UNESCO,
“Recomendações sobre a salvaguarda do folclore e da cultura popular”. Este
material enfatiza a necessidade de cooperação para tanto salvar quanto para o
incentivo à transmissão destes conhecimentos e a liberdade de vivê-los e
aplica-los em seu dia-a-dia.
A
atual legislação brasileira segue as recomendações da UNESCO, criando nos
artigos 215 e 216, da Constituição promulgada em 1988, a proteção ao Patrimônio
Cultural, que abrange:
Tanto
obras arquitetônicas, urbanísticas e artísticas de grande valor o patrimônio
material quanto manifestações de natureza “imaterial”, relacionadas à cultura
no sentido antropológico: visões de mundo, memórias, relações sociais e
simbólicas, saberes e práticas; experiências diversificadas nos grupos humanos,
chaves das identidades sociais. Incluem-se aí as celebrações e saberes da
cultura popular as festas, a religiosidade, a musicalidade e as danças, as
comidas e bebidas, as artes e artesanatos, os mistérios e mitos, a literatura
oral e tantas, tantas expressões diferentes que fazem nosso país tão diverso e
rico. (VIANNA in SILVA, 2008, p.121)
O
principal modo de preservação de patrimônio material é o tombamento, que opera
no país desde a primeira metade do século XX. Já a legislação para o patrimônio
imaterial é bem mais recente, datando do ano 2000, no Decreto nº 3.551 de 04 de
Agosto. O modo de salvaguardá-los é o registro em livros, tais como livros de
tombos e as políticas de preservação e fomento que devem ser estabelecidas.
Porém, apenas a legislação não é capaz de garantir a segurança e proteção
destes bens. As leis os garantem, mas ele é efetivamente preservador se houver
uma vivência voluntária das pessoas da comunidade.
Os
documentos engavetados, os inventários, a descrição dos bens contidos nos
livros do Iphan são apenas referências dos bens, mas não dão conta dos bens em
si, que tem natureza dinâmica e intangível. O patrimônio imaterial como as
festas e celebrações, as músicas, a dança, a comida, saberes e técnicas
próprias da cultura popular só se conservarão, efetivamente, se vividos por
pessoas em condições, com garantias, liberdade e interesses em vivenciá-los de
modo dinâmico e criativo. (VIANNA in
SILVA, 2008, p.122)
Desta
forma, esta legislação só será eficaz quando o patrimônio imaterial for
amplamente conhecido por toda sociedade e estas estejam mobilizadas para
estarem atuando para que ele se perpetue.
Analisando
a palavra “comemorar” em sua etimologia, de acordo com Silva (2008, p.191),
significa “lembrar com”. Assim, ao comemorarmos as festas populares, estamos
com nossa comunidade, estaremos relembrando junto com outras pessoas aquilo que
foi importante para nossa comunidade.
Assim,
ao comemorar uma de nossas festas populares, estaremos relembrando e bem mais
do que isto, pois:
As
festas são, sobretudo, eventos e celebrações nos quais é mais claramente
percebido o caráter dinâmico da cultura popular. Ao mesmo tempo em que se
enraízam em cada membro do grupo social, seus valores, suas normas e suas
tradições abrem espaços, continuamente para novas maneiras de representar o
sentir, o ser e o viver no mundo atual, numa lenta – às vezes mesmo
imperceptível, o que não dizer inexistente –
mas efetiva mudança de mentalidade. [...] Uma oportunidade para se
aprender que a modernidade não precisa ser necessariamente encarada como algo
ruim, dissolvente da tradição, principalmente se o novo puder ser integrado à
herança recebida, passada de geração em geração pelos mestres da tradição. (SILVA,
2008, p.192)
Nenhum comentário:
Postar um comentário