domingo, 16 de março de 2014

PERSISTENTE NATUREZA


Eram as duas árvores frondosas
Que guardavam a entrada da cidade
Eram seus galhos, asas verdejantes
A sombra amiga para a mocidade.

A passarada ali fazia ninhos
E a cigarra, o estrídulo final
E os pirilampos eram como estrelas
De uma eterna noite de natal.

Veio o progresso de cimento armado
E num instante um luzido machado
Deitou por terra uma árvore, a fim
De, coroando o êxito do asfalto
Fazer-lhe sepultura de capim.

Aves assustadas esvoaçaram
Parasitas bravias ao chão rolavam
Bordando de folhagem todo o chão
Uma só árvore ficou; mas tão saudosa

Como ferida em pleno coração
Gentes vieram, gentes que se foram
Sempre tiveram sua sombra. E agora
Emoldurado a vista da montanha
Só uma fecha o painel que a decora

Árvore amiga, diz a velha Igreja
Estou tão triste, pois te vi nascer
Numa saudade de sinos batendo
E a figueira, espetada e triste
Vai aos poucos caindo.., morrendo...

(Pedrinha. Figueira Velha. In: Poesias e Trovas de Itanhaém. Itanhaém, 1999


A Velha Figueira e a Matriz. Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012

            Inicio a série fotográfica “persistente natureza” abordando as centenárias árvores encontradas na Praça Narciso de Andrade, localizada no centro de Itanhaém, onde estas persistem em ainda existir, em ainda nos proporcionar qualidade de vida. Em toda a cidade pude localizar diversas árvores centenárias, caracterizadas pelos seus tamanhos colossais, dissonantes das demais árvores que as cercam. Na foto acima, registrei o corredor entre a Igreja Matriz e a Velha figueira num dia chuvoso de março. Ao centro percebemos o antigo calçamento de pedras molhados pela fina garoa que insistia em cair naquela manhã. O tom nostálgico da cena fez-me refletir a respeito das diversas árvores que havia na Praça, algumas das quais me lembro de quando era criança e não estão mais lá e desta outra velha figueira, em que a poetisa Pedrinha nos fala na década de cinquenta do século passado.
            Muitas mudanças ocorreram em nossa cidade. Diversas ruas sem calçamento, apenas simples estradas de areia fina, hoje são belas avenidas, diversas árvores que “atrapalhavam” o desenho da arquitetura urbana tombaram, mas ainda há as sobreviventes, as belíssimas moradoras silenciosas desta minha terra, que nos proporciona ar puro, sombra e moradias para também persistentes animais selvagens, terrestres ou aéreos. Em que encontramos em cada uma de nossas ruas e não apenas pontuadas aqui ou ali, mas em grande quantidade em nossas matas.
            De acordo com Ferreira (2008), devido ao fato de nossas terras pertencerem à Mata Atlântica, uma vasta região de mata fechada que nos cerca, temos como grande característica a umidade que provém dos encontros de diferentes massas de ar e dos ventos que vêm do mar, carregados de vapor d'água. Em função do alto grau de umidade, a vegetação se mantém verde durante todo o ano. A respeito da luz encontrada nas matas, Ferreira (2008) explica:

Enquanto a água é abundante, a luz no interior da mata é escassa provocando uma competição entre os vegetais. A busca de uma maior exposição solar tem como resultado o desenvolvimento de árvores altas, com copas ralas, que se unem formando um dossel (camada de folhagem de uma mata composta pelo conjunto das copas das plantas mais altas). (FERREIRA, 2008, p. 211)

            Abaixo dessa cobertura vegetal contínua, adaptado a quantidades menores de luz, encontra-se outro estrato que é formado por árvores menores e arbustos de troncos finos e com copas densas. Próximo ao solo, em condições de baixa luminosidade, temos uma formação de espécies de pequeno porte, plantas jovens e sementes em germinação.
            A competição pela luz entre plantas da mesma espécie é pouco comum, pois possuem o mesmo grau de tolerância ao sombreamento. Mas entre espécies diferentes, cujas necessidades luminosas são desiguais, a disputa é muito evidente. Quando uma planta está disputando uma posição no dossel, frequentemente perde as folhas. Essa característica, de acordo com Ferreira (2008), permite ao vegetal deslocar todo o gasto de energia que teve em função do crescimento do caule, a fim de conseguir um espaço ótimo.
            As trepadeiras ou lianas, apesar de retirarem nutrientes do solo, prendem-se aos troncos das árvores através de espinhos, gavinhas ou raízes fixadoras, chegando a alcançar o dossel. Essa estratégia de crescimento é uma maneira de atingir os pontos mais altos da floresta.
            Como a cobertura absorve a maior parcela dos raios solares, deixando passar pouca luz, cria-se ao nível do solo um ambiente escuro, pouco ventilado e constantemente úmido. Essas condições são inadequadas ao desenvolvimento de muitas espécies vegetais, porém são ideais a musgos e a algumas samambaias, que precisam de muita água. Abaixo de tantas plantas, entende-se um leito de folhas depositadas numa chuva leve e permanente de formas e cores. Com elas chegam ao solo o resto de nutrientes que as árvores não conseguiram extrair das folhas. No processo de decomposição os minerais vão sendo lentamente devolvidos ao solo e às raízes para contribuir na formação de novas folhas. Colaborando deste processo, encontramos no chão da mata um infindável número de fungos.



Um momento único: banho de luz! Foto de Thais Oliveira Silva. 25. Mar. 2012   

            Diversas vezes fui às trilhas do Morro do Sapucaetava a fim de registrar o chão das matas para comprovar estes dados e realmente a luz é bem escassa no local, dificultando até mesmo a captação com qualidade ali.
            Na imagem acima, observamos uma parte da raiz de uma árvore nativa sendo ocupada por dois fungos, recebendo um pequeno e passageiro raio de luz do sol do meio dia.
            Para Sapienza (2006, p. 07):

Olhar de perto que não é olhar-relâmpago, nem olhar sorrateiro. É olhar contemplativo que procura (e encontra) o esplendor do ínfimo, nas maravilhas que se escondem no interior do mundo dos insetos, das flores e dos detalhes praticamente invisíveis ao olho nu.

Para obter esta imagem não utilizei as lentes especiais da macrofotografia, que de acordo com Sapienza (2006) só é possível com o auxílio de tais instrumentos para que detalhes difíceis ou até mesmo impossíveis aos nossos olhos sejam vistos na imagem fotográfica. O que fiz apenas foi a de me inclinar sob o chão coberto de folhas úmidas e registrar pequenas, mas maravilhosas sutilizas que geralmente passam despercebidas por muita gente.
Como iniciei minhas imagens fotográficas sobre minha cidade no mês de Dezembro, pude acompanhar uma das mais belíssimas composições da natureza deste mês: o Flamboyant, belíssima árvore ornamental com sua floração vermelha, que com o passar do mês de Dezembro, mais se caem suas folhas, ficando apenas em evidência seu intenso vermelho. Em diversas ruas itanhaenses eu as encontre e registrei durante este mês, pois, assim que Janeiro se anunciou, suas flores começaram a cair, como se fossem apenas ornamentos natalinos.
Na foto abaixo, registrei apenas parte de seus floridos galhos sob um intenso céu azul.

Mês de Dezembro
os “flamboyants” florescem
as ruas todas se aquecem 
com um colorido todo especial
laranja, vermelho
verde claro, verde escuro
um brilho de natal.
A cidade parece estar em festa
Atraem olhares, despertam admiração
primorosos, coloridos
de exuberantes matizes
os flamboyants da minha cidade
são pedaços de saudade
espalhadas pelo chão.
Quase em todas as ruas têm
um flamboyant florindo
minha rua tem um lindo também
vendo-os, acredito com certeza
que são um presente da natureza
para deixar mais bonita e acolhedora
minha cidade Itanhaém...

(Nicoletta Brugnoli Bouças. Os “flamboyants” de Itanhaém. In: Itanhaém, beleza em prosa e verso. Itanhaém, 1997)





Flamboyant natalino. Foto: Thais Oliveira Silva. 02. Dez. 2011

            Na imagem abaixo, captei esta bela imagem por acaso. Eu e o Bruno, meu namorado, estávamos voltando de uma série fotográfica na Boca da Barra, eu já estava cansada, com a câmera guardada, pois já estava anoitecendo e minha câmera compacta não administra bem as imagens tomadas em baixa luminosidade. Esta árvore encontra-se ao lado da Ponte Sertório Domiciliano, no início da Alameda Emídio de Souza e o Bruno estava a um tempo observando a revoada de diversas Andorinhas à procura de um abrigo para dormir ao anoitecer. Ele me indicou a olhar para cima e enfim ver esta delicada cena. O bando de Andorinhas encontrou esta árvore desfolhada e já estavam dormindo sossegadamente. Fiz várias tomadas desta árvore, fui feliz com a luz, que diferente de minhas expectativas ainda estava favorável, buscando diversos ângulos, mas buscando mover-me silenciosamente em respeito ao descanso dos pequeninos, cantando baixinho algum acalanto para eles.
            A partir do conselho do Bruno, passei a observar a copa das árvores com mais atenção, buscando encontrar momentos únicos ou até mesmo registrar a beleza singular de cada árvore, o belo desenho de seus galhos harmonizando-se ao restante da cena.


Acalanto pra Você. Foto de Thais Oliveira Silva. 11. Jan. 2012

            Na fotografia abaixo, registrei a bela copa desta árvore na Praça Benedito Calixto. Optei pelo tom monocromático a fim de enfatizar as formas sinuosas desta árvore centenária, a qual é totalmente coberta pelas trepadeiras, também ansiosas por um lugar ao sol.


Sinuosas formas de uma árvore. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Mai. 2012





Um Gesto de Amor. Foto de Thais Oliveira Silva. 25. Mar. 2012

            A árvore localizada à esquerda da fotografia acima, eternizou seu mais belo e nobre gesto. Ao ver sua companheira mais velha e fraca vacilar e tencionar a tombar, esta desenvolve galhos como se fossem braços e a acolhe a si, envolvendo tais galhos pelo frágil corpo de sua companheira, segurando-a a fim de evitar sua queda. Um nobre gesto de empatia que inúmeras vezes alguns seres humanos não são capazes de demonstrar.
            Leitor, já teve a vontade de ir até o final de uma estrada apenas por curiosidade? Eu sim. Numa manhã de janeiro rumei de bicicleta para conhecer o final de uma estrada em que sempre a utilizei. É a estrada Coronel Joaquim Branco, que se inicia próximo ao bairro do Savoy, onde residi por muito tempo e se estende até a Fazenda Mambu, originária da década de trinta, quando a plantação de banana aqui estava em alta. (CALDAS, 2011). Percorri um espaço geográfico da cidade muito amplo, apenas motivada pela curiosidade e pelo desejo de registrar a Mata Atlântica satisfatoriamente preservada ao redor desta estrada que corta muitos bairros rurais de Itanhaém. Finalmente ao chegar ao tão sonhado final da estrada, deparo-me com uma das cenas mais impressionantes e belas da cidade. A beleza do lugar, a solitude que me inspirava a todo momento, o ar puro a meu redor, tudo, contribuiu para a beleza da imagem abaixo.
            Havia um conjunto de árvores nativas à beira da estradinha que se findava compondo um momento único: uma delas estava prestes a cair, mas certamente isto não ocorrerá, pois as demais a estavam segurando, seus galhos já estavam interligados e ela continua viva, pois suas raízes conseguiram novamente encontrar o solo. As antigas ramificações de suas raízes ainda estão expostas, as lá no interior da terra ela conseguiu fixar-se. Conversei com os colonos da Fazenda Mambu e eles me disseram que ela já está assim há mais de quinze anos. Não apenas poemas dão vida e sentimentos humanos às árvores, elas mesmas ousam em comportarem solidariamente umas com as outras. O que a torna curiosa, certamente é o fato de a imagem estar inclinada há a troca de papéis. A única árvore inclinada, prestes a cair, neste enquadramento agora  é a única ereta, com o mundo em sua volta inclinado. 




Segurem-me, companheiras minhas! Foto de Thais Oliveira. 12. Jan. 2012 





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