terça-feira, 18 de março de 2014

Pescadores Remanescentes caiçaras

         


Para o caiçara o rio é tudo – é a principal estrada por onde ele navega, é o caminho que leva ao porto, à vila mais próxima ou ao mar quando é preciso jogar uma rede; pelo rio eu os visitantes chegam e se vão, as lembranças e as notícias, as saudades. O caiçara vive no rio e do rio. (BRANCO, 2005, p. 83)

Anteriormente tratamos a respeito de dois pescadores caiçaras, os quais foram eternizados em esculturas na beira da Boca da Barra. Entretanto há tantos outros espalhados pela cidade, pescadores que herdaram costumes e técnicas de outrora, técnicas centenárias através de nossos rios e nossas praias.
A faixa de areia que se estende do Boqueirão (Praia Grande) a Itanhaém, com seus ininterruptos quarenta quilômetros até desembocar no Rio Itanhaém é denominada Praia Grande. Segundo as descrições de Branco (2005), é uma extensa praia de mar aberto, onde não existem baías, recôncavos, costões rochosos ou qualquer proteção contra o vento e as marés. Neste ambiente, segundo Branco (2005), originaram-se as primeiras comunidades caiçaras de Itanhaém. Estas que seus pescadores eram do mar e do rio, vivendo atrás de suas dunas, alimentando-se do que o jundu e a restinga forneciam, lutando contra a arrebentação e a forte correnteza do canal que dificulta, ainda hoje, a saída das embarcações ao mar. Há pesca no mar, com o auxílio das redes, próxima da rebentação, mas o nosso mar não é tão “produtivo como aquele das mansas baías do litoral norte.” (BRANCO, 2005, p. 31).

No município de Itanhaém temos relatos de comunidades caiçaras construídas tanto em praias de mar aberto como em praias de rio: o acesso às águas estivera sempre garantido. Até metade do século XX algumas poucas famílias caiçaras residiam na Praia Itaquanduva (hoje Praia da Saudade), no sopé do Morro Sapucaetava. Este local é uma praia de rio, na desembocadura do Rio Itanhaém.
A comunidade itanhaense se espalhava em aglomerados esparsos, pelas duas margens do rio: Suarão, O Bairro do Poço, Camboriú, O Bairro do Rio Acima. Na Vila dos caiçaras, preferencialmente fixavam suas residências no caminho do Guaraú e próximo ao Porto do Baixio. Ainda hoje estes portos são ativos, locais de residência e venda de peixe fresco. (BRANCO, 2005, p. 32)

No Bairro do Rio Acima está localizada e preservada uma das mais antigas comunidades caiçaras de Itanhaém.
De acordo com Branco (2005), o mar do litoral sul é aberto, de amplas praias com ressaca forte, não sendo tão receptivo nem tão aconchegante para os caiçaras quanto as baías do litoral norte. Neste mar aberto, onde o canal predomina e as correntezas puxam para o largo, muito além da arrebentação, o caiçara pescador sempre teve dificuldade em avançar. Estes homens, descendentes dos destemidos navegantes lusitanos e como bons indígenas que são, preferem ficar mais perto da costa, na segurança da terra firme.
Tanto no rio, quanto no mar a pesca se fazia com o auxílio da canoa de um pau só, embarcação instável, porém valente ao enfrentar o mar bravio. A técnica de construção destas canoas originou-se de duas vertentes: a indígena, onde se utiliza apenas um único tronco em que é entalhada a canoa e o aperfeiçoamento vindo das noções portuguesas em construção naval.
 Branco (2005) observa que este tipo de embarcação não é adequado para o mar forte, pois não possui quilha, sendo mais indicada para as águas tranquilas do rio, onde mantém um vogar suave. Ainda hoje os pescadores locais a utilizam, porém foi-lhe acrescida uma ampla borda talhada e de meia quilha falsa que, com o auxílio do motor central, fazem toda a pesca artesanal no litoral sul paulista.
O motor central foi incorporado à canoa por volta de 1940 e 1950 para então conseguir sobreviver à nova lei de mercado – era preciso pescar cada vez mais, muito mais além do que a comunidade precisava. Assim, as canoas sendo maiores e motorizadas, poderiam ir mais longe, mar adentro em busca de cardumes. Utilizavam a canoa de voga, onde oito remadores se sentavam de costas para o sentido do movimento, os remos presos em cavilhas metálicas nas bordas, remando cadencialmente sob o comando do timoneiro. Estas canoas maiores eram utilizadas para pesca de lanço de rede, a pesca de arrastão.

Ao avistar um grande número de cardume perto da praia saíam os pescadores em suas grandes canoas de um pau só para lançarem suas redes, com nos descreve Branco (2005). Utilizavam grandes redes de arrasto com centenas de metros de extensão, tecidas em fibra de algodão muito resistente. Eram redes bastante longas com as quais os barcos cercavam o cardume. Então com o cardume já preso, voltavam para a praia e os homens da terra ajudavam, puxando as pesadas redes para a areia, apenas com a força de seus braços. O peixe maior, mais valioso seguia para Santos, como ainda informa a autora; os pequenos eram distribuídos entre os pescadores e a comunidade.


 Praia dos Pescadores. Foto de Thais Oliveira. 20. Abr. 2012


A foto acima registra o exato momento em que uma canoa de voga está com seus pescadores preparando-se para partir. Numa manhã nublada, saíram em busca de cardumes em alto mar. O carrinho em primeiro plano pertenceu a uma canoa que partiu momentos antes. Como pude observar neste período em que os fotografei a cada determinado período parte-se uma canoa, eles não saem ao mesmo tempo.
No mesmo dia visitei o Porto do Baixio no qual pude observar a rotina dos pescadores. Na imagem abaixo, registrei o momento em que um dos três homens está pintando uma faixa vermelha em seu barco de pesca. Os bascos de pesca daqui, em sua maioria, são brancos com faixas vermelhas. Logo mais esta embarcação estará em alto mar. Em certos períodos algo belo ocorre durante o dia: diversos pontos espalham-se pela linha do horizonte. Estes pontos são diversos barcos locais, inúmeros em frente á Praia do Centro. Em certas noites também é possível vê-los e certamente a vista torna-se ainda mais bela: pontos de luz no infinito breu que se torna o mar durante a noite. Da terra firme sempre desejo que eles voltem com bons resultados.


Preparações. Foto de Thais Oliveira Silva. 20. Abr. 2012



Em mais uma bela tarde de verão fui até o Porto do Guaraú a fim de fotografar o local. Quem dera se a imagem também fosse capaz de registrar tudo o que os demais sentidos captam, porém a fotografia é apenas capaz de captar o que a visão retém, pois se fosse capaz de reter o olfato, certamente a imagem da Figura 90 exalaria um odor característico, um misto de odor de peixe, de maresia, de mariscos. Se o leitor encarou esta última sentença como algo ruim, errou. Para mim este odor é bom, me faz lembrar-se de quando íamos a este bairro quando criança com minha avó. Este cheiro me lembra a antiga Vila de Itanhaém. O Porto do Guaraú sempre foi um local muito procurado, tanto pelos turistas, quanto pelos pescadores em geral, os que pescam por prazer e os que pescam por sobrevivência. O pescador da Figura 90 é uma incógnita a mim: não sei se está pescando por um simples prazer ou a trabalho. Certamente não para ser vendido, já que uma simples pesca com vara não iria render muitos peixes. Geralmente os pescadores profissionais utilizam redes a fim de obter um maior número de peixes. Este homem me transmitiu calma, não havia a urgência de obter mais e mais peixes. Não. Ele estava simplesmente em harmonia com o local, sentindo tudo a ser redor com atenção. O belo tom de azul é resultado da captação no final de tarde.


Calmaria. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2012


Em minhas observações pela cidade, percebi o quanto da cultura caiçara ainda é mantido por muitos pescadores daqui. Em meus registros certamente apareceram turistas amadores, em que naquele momento estavam pescando por prazer, mas boa parte dos que registrei, o fazem por sua sobrevivência.




Pesca sob a fina Garoa. Foto de Thais Oliveira Silva. 16. Mar. 2012


Na foto acima, temos no primeiro plano a imagem de dois pescadores em uma canoa tipicamente caiçara. Ao fundo vê-se uma lancha motorizada, vinda do mar, já que estamos na Alameda Emídio de Souza, com vista para a Boca da Barra, sem com que a fúria desta sob as águas frias deste dia venha atrapalhar a labuta destes homens determinados. O próprio clima do dia, com toda esta atmosfera carregada, devido à garoa constante do dia, resultou numa imagem nostálgica, em memória a todos os pescadores artesanais que por ai já passaram.

A imagem abaixo foi conseguida através de um dia nublado no Porto do Baixio, quando esta embarcação passava velozmente rumo ao mar. Em primeiro plano vemos parte de outro barco parado, pois quis incorporar as partes deste, a fim de que tivéssemos a impressão de dois barcos cumprimentando-se, desejando boa pesca um ao outro. O belo e discreto reflexo da embarcação o acompanha silenciosamente. 




Badejo I sob o Rio Itanhaém. Foto de Thais Oliveira Silva 09. Dez. 2011






Liberdade abaixo da Modernidade. Foto de Thais Oliveira Silva.05. Jul. 2012





Liberdade Abaixo da Modernidade II. Foto de Thais Oliveira Silva 05 de Jul. 2012


As duas fotografias acima foram obtidas numa bela manhã de inverno, a qual estava atípica, com um intenso e acolhedor sol desde cedo. Fui até o Guaraú para fotografá-lo novamente poiso local é um de meus temas preferidos. No mês de Janeiro fui fotografá-lo, mas para meu desapontamento, ao chegar estava com o tempo nublado, escuro. Registrei a cena, pois era significativa: um barco em baixo da ponte com um nome bem sugestivo: Liberdade . A partir disto fiz a correlação entre o local em que estava: sob a Ponte da Rodovia Padre Manoel da Nóbrega, que iniciou sua construção na década de sessenta, possibilitando ainda mais a chegada de mais turistas, restringindo paulatinamente a liberdade dos caiçaras, com suas lanchas motorizadas, jet-skis, e a tal especulação imobiliária cada vez mais agressiva. Desde tal encontro, em Janeiro, demorei seis meses para enfim encontrar-me com o “Liberdade”. Nesta manhã lá estava a embarcação sob as sombras da ponte, envolto em belíssimas cores matutinas. O fotógrafo João Evangelista percebe a relação entre as formas orgânicas e geométricas desta imagem:


Esta foto e a seguinte, são dos seus melhores exemplos de uma combinação de paisagem natural com paisagem "geométrica"!!!...onde pelo facto da leitura objectiva ser estranha, devido à inclinação da foto, ou melhor do assunto pois a foto está direita, o observador se refugia numa leitura subjectiva e consequentemente mais abstracta!!!...e estas formas artificiais por não pertencerem ao mundo natural que mais difícil de abstrair, facilita a redução da foto a linhas e formas subjectivas!!!!...e aí a sua imaginação desperta e vê muito mais do que aquilo que a leitura objectiva costuma permitir!!!!
Bem visto e parabéns Thais!!!
E fez muito bem em voltar para captar esta luz que destaca ainda mais a força destas linhas e com este jogo de sombras e luz surgem novas formas geométricas que num dia nublado não existem dando mais interesse á sua foto!!!...infelizmente muitas pessoas se contentam com uma luz "fraquinha" e acham que já basta!!!   

Seu olhar está cada vez mais apurado sim senhora e sendo num tipo de foto invulgar dá ainda mais mérito à sua pesquisa!!!!... as zonas iluminadas, por estarem "presas" entre duas áreas de sombra parecem brilhar ainda mais!!!

Mais uma vez parabéns Thais!!!
PEREIRA, João Evangelista Dos Santos. JEvangelista. [mensagem pessoal] Mensagem recebida por < jespcl3@yahoo.fr> em 07. Jun. 2012.







Muitas vezes meu coração dói ao pensar na possibilidade de os mais jovens renegarem a cultura e, com a morte dos mais velhos, houver também a partida da cultura caiçara, porém meu coração alegra-se novamente, pois nossos pescadores muitas vezes levam seus filhos aos domingos para ensiná-los tal cultura. Diversas vezes encontrei e registrei crianças manejando precisamente suas varas. E o melhor: há o prazer neste momento, eles o vivenciam por amor.





A Cultura Caiçara não Morrerá!  Foto de Thais Oliveira Silva 04. Mar. 2012






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