Convento secular,
velho convento
de minha terra, meu
rincão praieiro...
quanta coisa me vem
ao pensamento
quando te vejo em
cima desse outeiro...
Vetusto, magnífico,
imponente,
suspenso sob o céu, cheio de glória
apontando na página
presente,
a História do Brasil,
a tua História...
Contigo me transponho
tempo afora
-sob o clarão do
olhar de Nossa Senhora
que vive em tua
eterna evocação
E vou de geração em
geração
e vou subindo aos
paramos divinos
ao badalar saudoso de
teus sinos...
(Nilo Soares Ferreira. No tambor itanhaense.
In: Poesias e Trovas. Itanhaém, 1999)
Itanhaém
consegue manter-se perto de suas raízes apesar de tantas mudanças ocorridas
nestes mais de quatro séculos. Aqui se guarda a fé cristã vinda com os
primeiros portugueses. Por este motivo os lugares sagrados são ainda muito
queridos pelo povo católico e até mesmo por outros pertencentes às demais
religiões, pois são construções que inspiram confiança e excelentes lugares
para meditação.
O Convento de Nossa Senhora da Conceição, localizado
no alto do Morro do Itaguaçu tem sua inauguração oficializada por alvará em
1654 sob o estilo barroco, mas há indícios de que uma pequena igreja de taipa e
barro tenha sido construída no local por volta de 1533. (FERREIRA, 2008)
Rampa do Convento. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2012
Hoje
em dia para acessar o Convento, utilizamos uma ladeira cercada de muralhas e
parapeitos. A mesma foi concluída em 1752. Na fotografia acima, registrei uma vista
parcial da rampa durante uma tarde ensolarada de verão, conferindo à imagem uma
luz e definições singulares. A vertigem causada pela subida à rampa é acentuada
por este enquadramento, onde reforça ainda mais a subida íngreme.
Mas nem sempre foi assim. Há muito
tempo, de acordo com Ferreira (2008), para se chegar ao convento, as pessoas
tinhas que subir uma escada de 83 degraus, onde ainda podemos observar restos
de seus degraus em frente ao antigo Mercado Municipal. Ao lado destes degraus,
temos também vestígios da única fonte que se chegou a nossos dias: Itaguira,
local conhecido antigamente como “Porto dos Frades”, devido à aproximação à
escadaria do Convento. Na Figura 24 registrei esta imagem, onde vemos em
primeiro plano alguns dos degraus e, ao fundo, com ainda vestígios de azulejos
lusitanos, a fonte Itaguira, onde há ainda água brotando, porém, poluída,
imprópria ao consumo.
Fragmentos de um passado tão distante II. Foto de Thais Oliveira Silva. 27. Dez. 2012
No dia 22 de março de 1833, a Fonte Itaguira e as
demais Fontes de água da antiga Vila de Itanhaém salvariam nosso convento,
unidas obviamente ao esforço da população. Nesta noite ocorreu um incêndio que
destruiu parte do Convento. O Frade responsável afugentou os morcegos nas vigas
dos tetos do Convento neste dia não com as costumeiras varas secas, mas desta
vez com varas flamejantes. Não demorou muito para que as fagulhas espalhadas no
começo da noite iniciassem um grande incêndio. Na foto abaixo, podemos observar os
males deste incêndio. Nesta parte enegrecida encontrava-se as selas dos frades
franciscanos, bem como uma capela-oratório. Diversos documentos locais ali
encontrados também foram destruídos nesta noite. A captação da imagem foi
realizada pela manhã, onde vali-me das sombras contrastantes características
das tomadas matutinas de um dia ensolarado para reforçar ainda mais esta ideia
de luto, de perda. Não houve mortos, porém, parte de nossa História morreu
neste incêndio.
Marcas de um passado distante. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012
Rosendo (2008) descreve o envolvimento da população
durante a tragédia:
Seriam pouco mais de dez horas da noite e o sino já
havia batido o toque de silêncio. Poucas pessoas ainda estavam nas ruas,
conversando, quando foram surpreendidas pelo toque de alarme do sino do
Convento. As primeiras “olhadas” foram dirigidas para o mar à procura das luzes
milagrosas, como dantes acontecia, mas logo foram desviadas pelos gritos angustiosos
que partiam do Largo da Matriz: “Fogo no Convento!”, “Está pegando fogo!” Em
menos de uma hora, organizou-se uma grande procissão rumo ao Convento.
De todas as casas saíam correndo homens, mulheres e
crianças conduzindo potes, latas, panelas, vasilhames de que dispunham para
carregar água, que era tirada das fontes da “casinha Itaguira”, de poços
particulares, e dos “tubos” existentes no “caminho de baixo”. Outros corriam
pelo caminho do “Rabelo” e “Mãe Benta”, em cujas fontes a água era mais abundante,
dirigindo-se todos com vasilhas cheias pelas ladeiras do Convento e, no pátio
eram entregues aos destemidos homens que lutavam para salvar do fogo as imagens
e outros objetos de valor ao culto religioso. Essa perigosa batalha e a romaria
dos carregadores de água só findou de madrugada, quando o fogo não achou mais o
que destruir do vasto edifício, deixando perpetuada a sua obra nas paredes
enegrecidas que resistiram à fúria do elemento destruidor. O incêndio atingiu
tais proporções que as labaredas se elevaram a uma altura calculada em mais de
cinquenta metros e o clarão foi observado no litoral até o canto dos Itatins e
do Itaipu. Contava minha avó e outras pessoas que tomaram parte nos trabalhos
dessa trágica noite que as imagens que traziam intactas, salvas do incêndio,
eram colocadas sobre uma mesa em frente ao Cruzeiro e, ali, com velas acesas,
as pessoas que não podiam prestar socorro, pela idade ou invalidez, erguiam
suas preces, cantando ladainhas e outras orações à Virgem Mãe do Redentor, implorando
a sua proteção para os que lutavam pela salvação da igreja. (ROSENDO, 2008, p.
43-44)
É notória e clara a grande influência da Igreja
Católica na pequena Vila Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém, tal influência
era refletida no cotidiano de outrora, havia um grande desenvolvimento cultural
neste local tão isolado e afastado das demais Vilas do Litoral, como lemos a
seguir as declarações de Rosendo (2008):
Os colonizadores que aqui se estabeleceram a partir
de 1532 deixaram marcas indeléveis da riqueza de tradições, lendas, usos,
costumes e ritos, legando-nos uma herança cultural esplendorosa. Por longo
tempo, esse conjunto de valores orientou o povo da vila, que se desenvolveu sob
o manto celestial da Imaculada Conceição. Os sábios monges portugueses que se
instalaram no convento, com a incumbência de educar o povo, foram os
responsáveis pelo alto nível cultural que imperou na nascente Vila de Nossa
Senhora da Conceição. (ROSENDO, 2008, p. 66)
Visitei
o local durante cinco vezes, desde Dezembro de 2011, a fim de registrá-lo em
diversas condições climáticas e de ângulos diversos. Desde criança sempre
gostei de subir as rampas do Convento, observar a cidade de lá do alto,
saborear a vista da belíssima construção barroca quinhentista. Minha avó sempre
nos levava lá e o ponto alto do passeio era o pátio interno do Convento, tão
belo com sua vegetação lindíssima e ruinas de antigas mesas de pedra.
Adorava passar longas tardes neste lugar,
absorvendo cada beleza ínfima, dos belos altares, da galeria do Convento,
observar a cidade de mais alto ainda, do alto de suas janelas, mas infelizmente
durante o processo de criação de minhas séries fotográficas, o Convento
manteve-se fechado para reformas. Portanto, minhas imagens são apenas
constituídas da tomadas da rampa, da fachada da Igreja e de suas vistas
panorâmicas, obtidas de diversos pontos do alto do morro do Itaguaçu. Seguindo
os descritores icônicos idealizados por Possamai (2008), registrei imagens em
que acidentes naturais, obras arquitetônicas e tomadas panorâmicas tivessem seu
lugar. O relativamente longo percurso da Rampa do Convento rendeu-me inúmeras
imagens, onde eu sempre busquei pontuar a presença do passado em nosso
cotidiano, convivendo com o presente.
Em minhas captações no Convento não houveram
elementos móveis, descritos por Possamai como pessoas ou meios de transporte.
Sempre que subi ao morro fui desacompanhada e lá assim permanecia, portanto não
ocorrem registros de pessoas nas imagens. Há muito tempo não há mais visitas no
local. Os antigos moradores com os quais conversei choram de saudade do tempo
em que passavam a maior parte de suas vidas neste morro abençoado. Hoje, com a
Igreja fechada e sem celebrações de missas há mais de uma década, há só o
silêncio neste lugar.
O céu da foto abaixo me passa ainda mais esta
sensação de solidão, uma nostalgia imensa me invade. Imagem obtida durante o
horário da manhã, onde consegui registrar a sombra deste poste elétrico. Rampa
esta que outrora os antigos moradores da Vila subiam constantemente. Senti a
presença silenciosa destes. Eu não estava sozinha. A partir do sentimento
fomentado pela cena, utilizei para nomear todos nossos lugares amados que hoje
em dia encontram-se desertos, solitários como “a presença do ausente”, termo
utilizado por Martins (2008), para denominar sua série fotográfica nos prédios
desertos da Penitenciária do Carandiru, localizado na cidade de São Paulo, em
que utilizamos este termo para evidenciar a presença dos antigos moradores e
frequentadores dos locais. Pode se passar o tempo, o local pode estar assolado,
mas uma presença silenciosa continua. (MARTINS, 2008)
Presença do Ausente I. Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012
Quem dera suas portas abrirem mais
uma vez para que possamos dizer como Watanabe (1997) do alto de suas janelas
barrocas:
Desta janela,
serena paisagem,
tem-se de Itanhaém
que aquece o coração
obra divina da
Conceição
Desta janela
especial...
deslumbramento real,
do horizonte infinito
das águas do
Atlântico.
Na janela...
radiante de ansiedade
pela beleza que me
invade,
contemplo os morros
verdejantes,
seus tesouros
fascinantes.
O céu de azul
inesquecível
fecha este quadro
indelével
desta vista do alto,
do nosso histórico
convento.
(Elizabeth Cury Bechir Watanabe. A vista. In: Itanhaém, beleza em prosa e verso.
Itanhaém, 1997)
Seus filhos itanhaenses esperam
ansiosos pela abertura de suas portas. E o ouvir de seus sinos ora calados.
Volta, Conceição de Itanhaém.
Portas Cerradas...
Até quando? Foto de Thais Oliveira Silva. 07. Abr. 2012
(Em Novembro de 2013 o Convento foi reaberto)
Eu não conhecia a história e me apaixonei por esta linda igreja. Levei meus filhos para ver, levei a minha mãe e a minha tia. Não houve tempo para mostrar para o meu pai...
ResponderExcluirEu lamento que tão importante igreja esteja tão esquecida e tão desprezada. Espero que as pessoas possam visitar e conhecer o berço da cidade.Parabéns pela matéria!
Olá Thais, parabéns pelo trabalho. Gostaria de saber se você tem mais informações sobre os azulejos azuis do convento. Grato e abraços
ResponderExcluiro convento foi construido por quem....indios.pessoas escravizadas....Em momento algum e citada sua construçao
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