sábado, 15 de março de 2014

Henri Cartier-Bresson: o momento decisivo na fotografia

É preciso abordar o tema a passos de lobo, mesmo em se tratando de uma natureza morta. É preciso aproximar-se sigilosamente como um gato mas ter o olhar agudo. Nada de atropelos; não fustiga-se a água antes de pescar. [...] O melhor é fazer que esqueçam o fotógrafo e o aparelho, que é sempre demasiado visível. (BRESSON, 2004, p.19-20)

O fotógrafo Henri Cartier-Bresson (1908- 2004), influenciou-me nas minhas composições fotográficas decisivamente. Com ele, aprendi a olhar de perto a pessoa, o vislumbrar até mesmo no cenário, elementos que revelem a personalidade do fotografado. O irônico é que não foram suas imagens fotográficas, mas sim sua fala a respeito de suas composições quando as li em Martins (2008). Admiro-o, pois ele incluía intencionalmente em suas composições elementos que faziam de sua fotografia não apenas um documento de um rosto, mas documentou a mentalidade, o mundo da pessoa retratada.
Quando Bresson formulou a ideia de “momento decisivo” foi particularmente baseado em suas próprias fotografias:

A ideia de momento remete a fotografia para o inevitável de sua inserção na vida cotidiana e no banal, daquilo que flui sem ficar. Mas a ideia do decisivo remete a fotografia para sua dimensão propriamente estética, pra aquilo que faz do que é passageiro o tema da fotografia que permanece, a chispa espiralada e imaginada que reveste a fotografia de sentido porque a remete aos parâmetros da criação e da universalidade do humano. (MARTINS, 2008, p.60).

Na tese do fotógrafo, há a recusa do casual, do mero clicar como sinônimo de fotografar, mesmo que para documentar. O momento decisivo permite a Bresson conciliar em sua obra fotográfica o fotógrafo e o artista respeitado que ele era.

Se o artista tem diante de si o objeto de sua arte, que ele se submete calma e docilmente, já o mesmo não ocorre com o fotógrafo documentarista, que fotograva acontecimentos, objetos constituídos no átimo do que é fugaz, a mais passageira das dimensões dos processos sociais. Portanto, o fotógrafo, que espera do ato fotográfico a foto sobreviva ao instante e permaneça densa de sentido e rica de expressão, deve munir-se da paciência para que a composição não cotidiana do cotidiano se desenhe subitamente diante de sua objetiva sem se diluir no seu caráter fugido, banal e propriamente cotidiano. (MARTINS, 2008, p.61)

A forte ideia do momento decisivo opõe-se vigorosamente à banalidade do flagrante e do congelamento. A fotografia que se encaixa nos moldes do momento decisivo, conforme percebe Martins (2008, p.63), “chega à sociologia com um quadro visual de referência que é em si interpretativo, com o deciframento da imagem já proposto esteticamente.” O flagrante é um acaso; o momento decisivo é bem mais do que isto, sendo uma espera elaborada, uma construção mental prévia, esteticamente definida. Não é acidental quando o fotógrafo visite previamente o cenário em que transcorrerá o que registrar. Porém, deve-se ser objetivo e racional apenas antes e depois, nunca durante o ato fotográfico, já que:

Cartier-Bresson comparou-se a um arqueiro zen, que tem de transformar-se no alvo para ser capaz de atingi-lo; “pensar é algo que tem de ser feito antes e depois”, diz ele “nunca durante o processo de tirar uma foto”. O pensamento é visto como algo que turva a transparência do fotógrafo e infringe a autonomia daquilo que é fotografado (SONTAG, 2006, p. 133)

Como estética fotográfica, entendemos através de Martins (2008) a simplicidade das coisas, das pessoas fotografadas e das situações sociais que são objetos do ato fotográfico e da existência do sentido do belo, do dramático, do poético que pode ser encontrado até mesmo no que parece banal repetitivo. O autor finaliza este assunto dizendo: “O ver estético da fotografia erudita é que pode levantar o véu dos mistérios do viver sem graça.” (MARTINS, 2008, p.62)
Para uma boa apresentação do tema, conforme Bresson (2004), as relações de forma devem ser estabelecidas rigorosamente. Ele as encara reconhecendo o ritmo de superfícies, de linhas ou valores. O aparelho deve apenas imprimir a decisão do olho na película. A totalidade vista de uma só vez é a composição da fotografia. Bresson (2004, p. 23) acrescenta: “A composição é uma coalizão simultânea, a coordenação orgânica de elementos visuais. Não se compõe gratuitamente, é preciso uma necessidade e não é possível separar o fundo da forma”.
Em fotografia há uma espécie de pressentimento de vida e ela deve captar, no instante o movimento, o equilíbrio expressivo. Bresson (2004) nos orienta a que nossos olhos avaliem e meçam constantemente, pois modificamos as perspectivas com uma flexão dos joelhos introduzindo coincidências de linhas por simples deslocamentos da cabeça. Fotógrafos compõem ao mesmo tempo em que apertam o disparador. Podemos subordinar o tema na composição ou sermos tiranizados por ele, por este motivo, a composição deve ser uma de nossas preocupações constantes, conforme diz Bresson (2004, p. 25), mas no momento de captar, ela “só pode ser intuitiva, pois estamos às voltas com instantes fugidos em que relações são instáveis. Para aplicar a relação da “seção áurea”, o compasso áureo deve estar dentro do seu olho.”.
Para ele, a fotografia encenada não o agrada. Para ele, sua câmera fotográfica é como um bloco de esboços, seu instrumento da intuição e de sua espontaneidade, onde naquele instante decide e questiona ao mesmo tempo. O fotógrafo Cartier-Bresson pensa que: “Para “significar” o mundo, é preciso sentir-se implicado no que se descobre através do visor. Esta atitude exige concentração, disciplina de espírito, sensibilidade e um sentido de geometria.” (BRESSON, 2004, p.12) Mediante a uma grande economia, Bresson chega à simplicidade de expressão, fotografando sempre com o maior respeito ao objeto e a si mesmo. Deste modo, o respeito não se encontra apenas no ato da captura, indo além. Bresson apud Martins (2008), fala sobre as seleções que o fotógrafo faz antes de dar a ver sua fotografia.

Há a seleção que fazemos quando olhamos através do visor para o objeto; e há a seleção que fazemos após o filme ter sido revelado e copiado. Após revelar e copiar, deve-se colocar de lado as fotos que, embora todas sejam corretas, não são a mais forte. (MARTINS, 2008, p.28)

De acordo com Meucci (1999), ele amou a liberdade acima de tudo, não se deixando se prender. A liberdade é sua religião. Por este motivo, não gostava de sentir-se encarcerado pelos grilhões da fama. “Não gosta da luz ofuscante. Não gosta que tirem fotografias deles... diz que não quer que façam com ele, aquilo que fez toda a vida com os outros. Cobre o rosto sempre que pode”. (MEUCCI, 1999, p.1)
Cartier-Bresson é artista de vanguarda, um lírico que fez poesia através da câmera fotográfica. Tendo graça e leveza, sempre passava invisível apenas com sua Leica em mãos, sem o uso do tripé. É neste adjetivo que está sua genialidade.

Minha paixão nunca foi pela fotografia “em si mesma”, mas pela possibilidade, ao esquecer de si mesmo, de registrar numa fração de segundo a emoção proporcionada pela tema e a beleza da forma, quer dizer uma geometria despertada pelo que é oferecido. O disparo fotográfico é um dos meus blocos de esboços. (BRESSON, 2004, p. 33)

O que detonou sua vida de fotógrafo foi a fotografia de Martin Munkasci publicada na Revista Photographies em 1931, em que três meninos negros nus no Congo saem correndo em direção às ondas do mar, numa coreografia de dança, com a liberdade genuína do ser humano, “totalmente livres sem obstáculos, poderosamente sensuais, exuberantes, joviais, vivos... leves e verdadeiros, brincando entre si, como se fossem os únicos possuidores da verdade humana”. (MEUCCI, 1999, p.1) Nesta imagem, eles personificam a liberdade, a carne sem pecado. Seus movimentos foram então congelados praticamente no ar. O momento exato que expressava aquela situação foi congelado nesta fotografia:

“que impressionou Bresson por toda a vida. 'O equilíbrio plástico desta foto suspende seu ímpeto pela vida... um retorno às origens... a mais nobre humanidade. ' Dizem aqueles que o conhecem, que é a única foto em sua parede... Esta foto foi o gatilho de sua efervescente carreira de fotógrafo”. (MEUCCI, 1999, p.1)

            Após esta imagem, ele continuou fazendo a estética do corpo humano em suas fotos, introduzindo um novo conceito de liberdade no fotojornalismo, sem perder a graça e a leveza de um artista verdadeiro.

Nada é pesado em suas fotos, apesar do drama. Todas são minuciosamente e incansavelmente compostas com a simplicidade de um gênio. Ele esmagou como ninguém, sem fazer barulho. Ele apareceu como ninguém sem, ao menos, se exibir. Mas, com um artista inato, toda a sua referência é pictórica, não resta a menor dúvida... Concluindo pela sua composição. A geometria das formas é uma tônica em suas imagens. (MEUCCI, 1999, p.2)

De acordo com Tavares (2008), a França contribuía para a arte na fotografia com um dos nomes mais sonantes da vertente do documentário social: Henri Cartier-Bresson. O interesse do fotógrafo recaía no observar das pessoas, no seu cotidiano e nas circunstâncias excepcionais da vida. Cartier-Bresson, com os seus trabalhos, prova que o resultado da arte fotográfica não estava na máquina, mas sim no olho do fotógrafo que, de forma subjetiva, percepciona determinado momento e o captura.
Nas palavras do grande fotógrafo:

Fotografar é prender a respiração quando nossas faculdades se conjugam diante da realidade fugida; é este momento que a captura da imagem é uma grande alegria física e intelectual. Fotografar é pôr na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração. (BRESSON, 2004, p. 11)

Henri Cartier-Bresson nasceu em 22 de agosto de 1908, em Paris. É descendente de uma família proeminente da indústria têxtil. Mas Bresson nasceu artista e não seguiu a carreira de sua família. Frequentou a École Fénélon e o Lycée Condorcet em Paris. Estou pintura com Cotenet (1922-23) e com André Lhôte (1927-28). Estudou pintura e filosofia na Universidade de Cambridge. Seu contato com a pintura, de acordo com Galassi (2010) transformou Cartier-Bresson em um fotógrafo dotado de surpreendente intuição visual materializada em fotos claras, elegantes e perfeitas quanto à composição e equilíbrio, dotadas de coesão em sua narrativa visual.
 Começou como fotógrafo em 1931 recebendo influências do surrealismo. Em 1939, viajou para a África, onde permaneceu por um ano. Trabalhou como vaporeiro, vendendo bugigangas e carne salgada que ele mesmo caçava e preparava. Lá também adquiriu malária e sua primeira câmera fotográfica de segunda mão feita por Krauss. Mas todos os filmes que fotografou lá foram deteriorados pela umidade. “Para nós, o que desaparece, desaparece para sempre: daí nossa angústia e também a originalidade essencial do nosso ofício.” (BRESSON, 2004, p. 19) Mas apesar de tudo, esta viagem mudou sua vida.
Apesar do fracasso das primeiras fotografias, a África não somente mudou sua vida, como o tirou da pintura e o colocou na fotografia. Quando voltou à Paris, imediatamente comprou uma Leica, que o acompanhou por toda a vida:

Tinha descoberto a Leica: ela se tornou prolongamento do meu olho e não me deixa mais. Eu andava o dia inteiro com o espírito alerta, procurando nas ruas a oportunidade de fazer ao vivo fotos como de flagrantes delitos. Tinha sobretudo o desejo de capturar numa só imagem o essencial o essencial de uma imagem de uma cena que surgisse. (BRESSON, 2004, p.16)

 Nesta época, foi então publica na edição anual da Revista Photographies, a famosa foto de Munkasci, que deu novo rumo a sua carreira. Daí para frente, ele saiu para o mundo para fotografar. Em 1935, partiu para o México e para New York, onde permaneceu por um ano também. Neste período deixou de fotografar. Fez filmes com Paul Strand, retornando em 1936 para Paris, onde trabalhou até 1939, com o cineasta francês Jean Renoir, filho do pintor, também fazendo filmes.
A Segunda Guerra Mundial tinha começado. Bresson foi prisioneiro de guerra dos alemães por três anos. Tentou fugir três vezes e só conseguiu na última vez. De volta a Paris trabalhou na Resistência Francesa. Voltou a filmar novamente depois da guerra, dirigindo Le Retour, um documentário sobre os campos nazistas e a volta da guerra. Mas sua falta de controle no processo de colaboração de produção de filmes, finalmente fez Bresson optar pela fotografia. Em 1946 viu a chance de recomeçar sua carreira fotográfica. De acordo com Meucci (1999), Bresson ficou sabendo que o MOMA estava planejando uma exibição póstuma de suas fotos, através do curador Beaumont Newhall e sua mulher, Nancy, pois achavam que ele havia morrido na guerra. Informados de que Bresson estava vivo, a exposição foi transformada em uma retrospectiva de suas fotos em meio de carreira. Ele viajou para New York em agosto de 1946, com suas histórias dos campos de concentração, tentativas de fuga e trabalho clandestino executado para a Resistência Francesa.
Meucci (1999) nos informa que no ano de 1947, Cartier-Bresson, Robert Capa, David 'Chim' Seymour e George Rodger, criam a Agência Magnum. Sobre o acontecimento Bresson (2004) declara: “Fundamos a nossa cooperativa em 1977, a Magnum Photos, que difunde nossas reportagens fotográficas através da revista francesa e estrangeiras. Continuo sendo um amador, porém não mais diletante”. (BRESSON, 2004, p.17)
De acordo com Galassi (2010), o repertório imagético de Cartier-Bresson atingiu um porte impressionante em razão não apenas de seu talento, mas de traços pessoais e subjetivos, tanto na própria imagem, quanto nas legendas de cada uma:

O estilo de Henri Cartier-Bresson encontra-se inteiro na sua escritura: testemunho, legenda ou dedicatória, é sempre uma arte breve. [...] Henri Cartier-Bresson descobriu este seu dom suplementar, ao escrever um prefácio que imediatamente passou a ser referência maior para os fotógrafos mas hoje merece ser lido de maneira menos restritiva: como uma arte poética plena. Assim como deve ler suas reações vigorosas, suas lembranças discretas, mas precisas, cheias de humor e de afeição. (MACÉ in BRESSON, 2004, p.9)

Entre 1948 e 1950, gastou a maior parte do seu tempo na Índia, Burma, Paquistão, China e Indonésia. Fotografou o fim do domínio britânico na Índia e o assassinato de Mohandas Gandhi. Na China ele fotografou os primeiros meses de Mao Tse Tung. (MEUCCI, 1999) Este período estabeleceu sua reputação como foto-jornalista de incomparável sensibilidade e habilidade. Suas fotos capturaram os novos acontecimentos da época e a vida cultural dos países que fotografou. Depois de três anos voltou para casa e produziu o livro IMAGES À LA SAUVETTE. O livro é composto por imagens tiradas rapidamente sem premeditação.
Continuou fotografando pelo mundo, Europa, antiga União Soviética, Japão, China, México, Índia. Mas na metade da década de 60, ele voltou insatisfeito com o seu trabalho. Foi para a Agência Magnum com a intenção de destruir tudo. O editor de fotografia e escritor Romeo Martinez convenceu Bresson a permitir que o editor Robert Delphire o printer da Magnum, Pierre Gassman, editassem um trabalho com suas melhores fotos. Esta foi aparentemente a segunda vez que ele tentou destruir suas fotos. A primeira foi na época da guerra, quando ele teria destruído as fotos e pedido ao pai para guardar os negativos em uma lata e depositar em um cofre no Banco.
Em 1966, Bresson retirou-se da Magnum, mas permitiu que a Agência continuasse a distribuir suas fotos. Em 1970, com 62 anos, casou-se com a fotógrafa Martine Frank. A partir daí, parou de fotografar profissionalmente, dedicando-se somente à pintura e ao desenho. (MEUCCI, 1999)

O fotógrafo faleceu em 2004 aos 96 anos de idade.

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