A fotografia é a busca do espelho que não mente, da
durabilidade, da permanência, da nossa inteireza. De certo modo, na
cotidianidade, que é seu tempo, a fotografia não documenta a vida cotidiana
senão nas suas carências e absurdos. O amor pela fotografia é o amor pelo
ausente e é a luta contra os mistérios da ausência. Nesse sentido, há na
cultura do objeto fotografado um certo remanescente da sociedade tradicional,
que permanece sutilmente oculta no mundo contemporâneo como desejo de
totalidade, como repulsa da fragmentação e do estranhamento. (MARTINS, 2008,
p.56)
Construída
ou tomada no calor da hora, a fotografia é ainda vista pela sociedade em geral
como a evidência do que aconteceu no momento em que o fotógrafo voltou sua
câmara para um determinado referente. O caráter testemunhal da fotografia,
ainda tão valorizado nesse momento em que as tecnologias da informação apontam
para uma desnaturalização do real, “parece fornecer uma âncora para uma
sociedade que não consegue romper de vez com a materialidade do mundo”.
(FABRIS, 2007, p. 2) Ela fomenta na sociedade um desejo antigo: “Toda
fotografia tem sua origem a partir do desejo de um indivíduo que se viu
motivado a congelar em imagem um aspecto do real, em determinado lugar e
época.” (KOSSOY, 2002, p.36)
Somos fascinados pelo poder da
fotografia. Ela atrai e encanta gerações por diversos motivos, sobre este
deslumbre, Sontag (2006) fala:
Nosso sentimento irreprimível de que o processo
fotográfico é algo mágico tem uma base genuína. Ninguém supõe que uma pintura
de cavalete seja, em nenhum sentido, co-substancial a seu objeto; ela somente
representa ou alude. Mas uma foto não é apenas semelhante a seu tema, uma
homenagem a seu tema. Ela é uma parte e uma extensão daquele tema; e um meio
poderoso de adquiri-lo, de ganhar controle sobre ele. (SONTAG, 2006, p. 172)
As
fotografias ao nos ensinar um novo código visual, modificam e ampliam nossas
ideias sobre o que vale a pena olhar e sobre o que temos direito de preservar.
Para ela, “o resultado mais extraordinário da atividade fotográfica é nos dar a
sensação de que podemos reter o mundo inteiro em nossa cabeça – como uma
antologia de imagens”. (SONTAG, 2006, p.13)
Diniz (2007) fala a
respeito da imagem fotográfica, que de maneira diferente de uma imagem pintada
(produzida para retratar uma realidade exposta) ou de um texto narrativo (como
os jornalísticos), ela adquiriu a função de retratar a realidade com grande
propriedade. Graças às atribuições que lhe são conferidas, a fotografia
consegue trazer, para o tempo presente, fragmentos do passado como representação
verídica de uma realidade, de modo que o leitor os aceite sem questionamentos.
Conforme Martins (2008), desde o século XIX, em Paris, os policiais capturavam
a fotografia do procurado, antes de capturarem o próprio perseguido, tamanha
era sua aceitação e propriedade.
A fotografia consegue
garantir seu poderio, pois, “qualquer que tenha sido a razão que levou o
fotógrafo a registrar o assunto, não haverá dúvida de que o mesmo de fato
existiu.” (KOSSOY, 2001, p.103) Neste interim, Martins (2008) nos lembra de que
há certa insistência entre historiadores e sociólogos, na suposta ideia de que
a fotografia congela um momento do processo social. Porém, este pressuposto
entra em conflito com a polissemia da imagem, em especial a fotográfica.
O ângulo em que a imagem foi captada e as inúmeras possibilidades
que se apresentam ao fotógrafo no momento da captura desta levam o leitor a
fazer uma interpretação influenciada pelo fotógrafo, a qual, nem sempre condiz
com a realidade dos fatos ou de uma situação. (DINIZ, 2007)
A
polissemia da fotografia não decorre apenas das múltiplas leituras que dela
possam ser feitas. O próprio objeto tem uma carga de sobre-significados que a
intenção documental do fotógrafo pode anular ou mutilar. Um certo direcionismo
fotográfico, tanto em relação à escolha do tema, quanto em relação ao ângulo, à
composição e outros recursos fotográficos empregados na concepção da imagem, é
inevitável. Mesmo o sociólogo ou antropólogo que documenta fotograficamente, e
faz da fotografia o seu instrumento de pesquisa e registro, quando define com
objetividade a documentação, cria imagens de ficção que podem ficar adjacentes
a diferentes momentos e procedimentos das ciências. A própria realidade
fotografada, pessoas ou situações, já em si mesma um cenário teatral e
polissêmico, desde os equipamentos de identificação que as pessoas usam até os
arranjos de cenários e paisagens que vão compor a fotografia. (MARTINS, 2008,
p. 169)
Nesta citação, o autor faz-nos refletir que as imagens
fotográficas sempre levarão uma carga subjetiva, onde irá transparecer um pouco
do fotógrafo e suas escolhas para a composição fotográfica. Diniz (2007)
faz-nos também observar que os diversos olhares para uma mesma direção podem
ser distintos quanto às suas percepções. Cada um dos envolvidos (o fotógrafo, o
fotografado e o leitor da imagem) tem uma percepção que se relaciona à sua
realidade subjetiva, entendendo-se que o conhecimento interno é influenciado pelo
externo. Neste sentido, seguindo o pensamento do autor, pode ocorrer que um
pequeno detalhe na imagem fotográfica desperte mais atenção do leitor do que,
exatamente, a ideia proposta pelo fotógrafo, quando a produziu. Kossoy (2001)
também divide o mesmo pensamento, considerando as imagens fotográficas
ambíguas:
Ambiguidade
porque jamais o signo coincide com a coisa vista pelo artista, porque o signo
jamais coincide com aquilo que o espectador vê e compreende, porque o signo é
por definição fixo e único e, também por definição, a interpretação é múltipla
e móvel. (FRANCASTEL apud KOSSOY,
2001, p.135)
A fotografia,
portanto, desperta no observador aquilo que ele crê, não sendo referência a uma
única verdade preexistente. Deste modo, é preciso que se “questione o que se vê
em uma imagem e que se reconheça que a interpretação realizada vem sempre carregada
da subjetividade, que é fruto do meio sociocultural em que se está inserido”.
(DINIZ, 2007, p. 7)
A imagem fotográfica
pode ter um valor que não é encontrada apenas no visível, mas, principalmente,
no que é sugerido e que se revela de acordo com a bagagem sociocultural de cada
leitor que, a partir das reflexões realizadas, avança, ampliando os seus
horizontes e a sua maneira de ver.
Sontag
(2006) é clara explicando que “como cada foto é apenas um fragmento, seu peso
moral e emocional depende do lugar em que se insere. Uma foto muda de acordo
com o contexto que é vista.” (SONTAG, 2006, p. 122) Portanto em nossas
interpretações encontram-se divergências exatamente pelo fato de nós termos
vidas e vivências diferentes. Interpretações estas que sempre serão fomentadas
pelas próprias imagens fotográficas:
Assim, o olhar para uma
imagem fotográfica pode ser comparado a um olhar para vida, porque distintos
seres humanos, mediante uma mesma realidade e um mesmo problema, podem reagir
de forma absolutamente diferente, ou seja, positiva ou negativamente, pois o
que é de extrema importância para uns, pode não ter nenhum significado para
outros. Tudo depende da visão de mundo e da concepção de realidade de cada
indivíduo.
Todavia,
a imagem fotográfica não é um instrumento passivo, pois tem o poder de
transformar por meio da reflexão que instiga no observador.
Assim, ao mesmo tempo em que
a bagagem cultural de cada indivíduo influencia na interpretação da imagem, a imagem convida o observador a
refletir, questionar, analisar,
fato que propicia o desenvolvimento da construção social e cultural,
possibilitando, até mesmo, a diminuição de preconceitos. Assim, a percepção
sensível do leitor interfere na construção de narrativas etnográficas que
auxiliam a aproximação dos indivíduos em uma sociedade. (DINIZ, 2007, p.10)
Koury
(2004) também nos orienta a esta direção, nos mostrando que também o uso da
fotografia tem um significado variado de acordo os discursos produzidos a
partir dos elementos conotados que a constituem. Uma mesma fotografia
representa infinitas formas de apreensão e apropriação segundo os usos a que se
encontra submetida. E hoje em dia seu uso está amplamente estendido a todas as
dimensões na sociedade.
O
mundo torna-se de certo modo “familiar” após a invenção da fotografia, o homem
passou conhecer realidades distantes que outrora era impossível, ou no máximo
insuficientes, através da via oral, da escrita ou de gravuras. Porém, a
informação era fracionária, de acordo com Kossoy (2004, p. 27): “Microaspectos
do mundo passaram a ser cada vez mais conhecidos através da representação.
[...] O mundo tornou-se assim portátil e ilustrado”. Entretanto devido a sua
condição de conseguir registrar “o aparente e as aparências”, ela se tornaria
uma arma temível, sujeita a toda sorte de manipulações, pois na medida em que a
sociedade a vê e a aceita como espelho do real, a expressão da verdade, é
possível, produzir toda sorte de ideologias através de uma imagem.
O
mundo hoje está condicionado, irresistivelmente, a visualizar. A imagem quase
substituiu a palavra como meio de comunicação. Tabloides, filmes educativos e
documentais, películas de massa, revistas e televisão rodeiam-nos. Parece até
que a existência da palavra está ameaçada. A imagem é um dos principais meios
de interpretação, e sua importância está se tornando cada vez maior. (Abbott apud Fabris, 2007, p.2)
Imaginemos que diria a autora desse texto, publicado em
1951 no Universal Photo Almanac, diante da potência da imagem hoje em dia?
Berenice Abbott estaria, sem dúvida, espantada com o domínio crescente da
cultura visual e com sua presença em todos os aspectos do cotidiano sob a forma
de fotografias, de imagens digitais, interativas, videográficas, televisivas,
médicas, e imagens transmitidas até mesmo por satélite. (FABRIS, 2007) Porém
Sontag (2006) é clara ao nos informar que:
Não
é a realidade que as fotos tornam imediatamente acessível, mas sim as imagens.
Por exemplo, hoje os adultos podem saber com exatidão como eles, seus pais e
seus avós eram quando crianças – um conhecimento que não era acessível antes da
invenção da câmera, nem mesmo para aquela pequena minoria em que era costume
encomendar pinturas de seus filhos. [...] Os sentidos dos retratos
convencionais na residência burguesa dos séculos XVIII e XIX era confirmar um
ideal de modelo (proclamar a posição social, embelezar a aparência social); em
vista desse propósito, fica claro o motivo por que seus proprietários não
sentiam necessidade de ter mais de um retrato. A foto-registro mais
modestamente, confirma apenas que o tema existe; portanto, por mais que a
pessoa tenha, elas nunca serão demais. (SONTAG, 2006, p. 181)
No
ato da decisão por qual aspecto uma imagem deveria ter, ao preferir uma
exposição à outra, conforme nos esclarece a autora, o fotógrafo sempre impõe
padrões a seus temas. Num certo sentido a câmera captura a realidade, mas é uma
realidade interpretada, como uma pintura ou um desenho. Até mesmo em ocasiões
em que se exige imparcialidade, há ainda a interpretação no ato da captura.
Kossoy (2001) fala a respeito da composição de uma imagem fotográfica ser imprescindível
de elementos que em conjunto operam como um ciclo:
Três
elementos são essenciais para a realização de uma fotografia: o assunto, o
fotógrafo e a tecnologia. São estes os elementos constitutivos que deram origem
através de um processo, de um ciclo que se completou no momento em que o objeto
teve sua imagem cristalizada na bidimensão do material sensível, num preciso e
definido espaço e tempo. (KOSSOY, 2001, p.102)
O
produto final, a fotografia, segundo Kossoy (2001), é resultado da ação humana,
o fotógrafo, que num determinado tempo e espaço escolheu um assunto e que, para
registrá-lo, empregou os recursos oferecidos pela tecnologia disponível.
O
ato fotográfico mantém vínculo com o momento histórico, pois tem seu desenrolar
em um determinado momento histórico, esta fotografia também traz em si
características a respeito da tecnologia aplicada, bem como nos mostra um
fragmento selecionado do real.
A
escolha de um determinado aspecto, a preocupação na organização visual dos
detalhes que compõem o assunto, bem como o uso e o domínio de uma determinada
tecnologia são fatores decisivos que influenciarão no resultado final da
fotografia. Estes fatores dependem do primeiro elemento do qual depende a
fotografia: a ação do fotógrafo como filtro cultural como afirma Kossoy (2001).
Sobre o fotógrafo, o autor prossegue dizendo que o registro visual documenta,
por outro lado, “a própria atitude do fotógrafo diante de realidade; seu estado
de espírito e sua ideologia acabam transparecendo em suas imagens, particularmente
naquelas que realiza para si mesmo enquanto forma de expressão pessoal.”
(KOSSOY, 2001, p.43). Quanto às imagens de registros históricos, o autor
prossegue dizendo:
É
certo
que
a fidedignidade do conteúdo de uma fonte histórica está diretamente ligada com
seu autor, e nesse sentido é mister que se tenham detalhes de sua vida, de seu
comportamento individual e social, de sua situação econômica, bem como de sua
obra, conjunto de informações cuja determinação em profundidade não é tão
simples de se alcançar pelo pouco que se sabe acerca da vida dos pioneiros
fotógrafos, autores das imagens que devemos examinar. (KOSSOY, 2001, p.105)
É
necessário também enfocar a posição do ser fotografado, pois ele também irá
interferir na imagem obtida, ele nunca estará passivo. (SONTAG, 2006). Quando
alguém é fotografado por um estranho, geralmente apruma-se, faz pose ou até
veste-se “apropriadamente” para posar. Como nos aponta Martins (2008):
[...]
o vestuário usado como disfarce e maquiagem, como instrumento da ficção da
identidade e da autoimagem, pode fazer mais revelações sociológicas do que a
fotografia invasiva do sociólogo que flagra desprevenidos seus sujeitos de
referência. [...] Ao sociólogo da imagem é indispensável ter em conta que o
próprio fotografado, em muitas circunstâncias, é um poderoso coadjuvante do ato
fotográfico e que, portanto, o real é a forma objetiva de como a ficção
subjetiva do fotografado interfere na composição e no dar-se a ver para a
concretização do ato fotográfico. (MARTINS, 2008, p.15)
Martins
(2008) ainda nos mostra que não apenas em fotos desprevenidas e concebidas por
fotógrafos não familiares ocorre a representação, mas em todas as imagens
fotográficas da sociedade, como percebemos nesta declaração:
A
fotografia reforça a necessidade de representar. Nas fotografias, as pessoas
fazem supor. Ao mesmo tempo, a fotografia se prepõe como apontamento de memória
e não como memória, como lembrete do que se perdeu no cotidiano, na
banalização, na secundarização de certos acontecidos, e não quis se perder. No
entanto a fotografia diz menos do acontecido. [...] “O real sentido de qualquer
fotografia nunca pode ser total e objetivamente conhecido ou previsto, especialmente
por um observador externo que não esteve inicialmente envolvido em algum
momento da criação da imagem”. (WEISER apud
MARTINS 2008)
A polissemia da foto vai de encontro à tese
frequente de que a fotografia é o congelamento de um momento da história ou de
uma biografia. A fotografia desde sua aceitação pela sociedade se tornou uma
necessidade social, mais intensa na classe média, e relativamente menos intensa
nas classes populares. Ela não documenta o cotidiano, pois faz parte do
imaginário e cumpre funções de revelação e ocultação na vida cotidiana.
Portanto, as pessoas são fotografadas representando-se na sociedade. A foto
documenta, como atriz, a sociabilidade como dramaturgia.
Ela é parte da encenação. Ela reforça a
teatralidade, as ocultações, os fingimentos. Traz dignidade à falta de
dignidade, ao simplismo repetitivo da vida cotidiana. As pessoas se mostram
representando, mas recorrem constantemente à fotografia para mostrar-se como
terceira pessoa, a verdadeira, a que não está ali na cena, mas que está na
foto. A fotografia “conserta” o fato de que na vida cotidiana a apresentação
social desmente a representação social. Ela é o rodapé esclarecedor da
compostura, do decoro. (MARTINS, 2008, p. 44-45)
Deste
modo, de acordo com Martins (2008), a foto “conserta” para si e para os outros
os estragos da rotina da vida. E não apenas o fotografado, mas o fotógrafo
também é protagonista da realização da imagem, ao escolher determinada
iluminação, contrastes tonais, assim, o próprio fotógrafo, é o fotografado
invisível. “A fotografia documenta as mentalidades de quem fotografa, de quem é
fotografado, e de quem a utiliza, problemáticas agregações à polissemia”
(MARTINS, 2008, p.58)
Estas
representações conforme Martins (2008) fala, nós vemos em nosso dia-a-dia,
quando um fotógrafo amador escolhe um cenário que venha enobrecer seus
fotografados, ou quando estes mesmos colocam suas “roupas de domingo”, a fim de
apresentarem-se com uma aparência melhor do que é a do dia-a-dia em seus
trabalhos cotidianos. Um sociólogo irá querer retratar as pessoas em situações
em que apareçam como são verdadeiramente. Mas, as pessoas dirão, com razão, que
seu verdadeiro ser está naquilo que acreditam que são e não naquilo que
apresentam ser. O autor afirma: “A fantasia é um dado fundante da identidade,
mesmo que dela não existam evidências factuais. As pessoas são o que imaginam
ser e o que querem que os outros pensem que são.” (MARTINS, 2008, p.49)
Muitos
se sentem nervosos e apreensivos antes de serem fotografados: não por recearem,
como os antigos o aprisionamento de suas almas, mas, segundo Sontag (2006), as
pessoas temem a desaprovação da câmera, a perda da juventude com o decorrer dos
anos, com o decorrer da vida muitas vezes amarga, dura:
Eu não tinha este
rosto de hoje
Assim tão calmo,
assim tão triste, assim tão magro
Nem estes olhos tão
vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas
mãos sem força,
Tão paradas frias e
mortas;
Eu não tinha este
coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta
mudança,
Tão simples, tão
certa, tão fácil:
- Em que espelho
ficou perdida
A minha face?
(Cecília Meireles.
Retrato. In: Obra Poética. Rio de
Janeiro, Nova Aguiar, 1987)
As
pessoas querem uma imagem idealizada: algo que os mostre da melhor maneira
possível. Quando a fotografia não mostra o que eles esperam, sentem-se
frustrados, insatisfeitos. Sentem-se “violentados”:
Tal
qual um carro, uma câmera é vendida como uma arma predatória – o mais
automatizada possível, pronta para disparar. O gosto popular espera uma
tecnologia fácil e invisível. Os fabricantes garantem a seus clientes que tirar
uma foto não requer nenhuma habilidade ou conhecimento especializado, que a
máquina já sabe de tudo e obedece a mais leve pressão da vontade. É tão simples
como virar a chave de ignição ou puxar o gatilho. (SONTAG, 2006, p.24)
A
“câmera - arma” não mata. Portanto esta metáfora de Sontag (2006) parece não
passar de um blefe. Mas não foi por acaso que utilizamos o verbo “disparar”
para o ato de capturar uma imagem. Há algo predatório quando tiramos fotos. De
acordo com Sontag (2006, p.25): “Fotografar pessoas é violá-las, ao vê-las como
elas nunca se veem, ao ter delas um conhecimento que elas nunca podem ter;
transforma pessoas em objetos que podem ser simbolicamente possuídos”. Martins apud Byers (2008) nos esclarece que a
fotografia está além de ser um produto da tecnologia, mas um produto da
interação humana: pessoas sendo fotografadas, pessoas tirando fotografias,
pessoas olhando fotografias. Nenhuma das partes será passiva, portanto.
Andrade
(2002) nos convida a refletir a respeito da fotografia: “É preciso sempre tomar
cuidado com a câmera. Ela revela e incomoda. Mas irá a fotografia além do que
mostra a realidade? Ou além da palavra, ou melhor, do registrado? O ato
fotográfico é visionário?” (ANDRADE, 2002, p.48)
Estas
questões sempre fomentarão nossas polissêmicas interpretações a respeito da
imagem fotográfica. Ao nos depararmos com uma mesma imagem, cada um de nós será
convidado a inclinar-se sobre elas e senti-las com nossas próprias vivências:
A
sabedoria suprema da imagem fotográfica é dizer: “Aí está a superfície”. Agora,
imagine – ou, antes, sinta, intua – o que está além, o que deve ser a realidade,
se ela tem este aspecto. Fotos, que em si mesmas nada têm a explicar são
convites inesgotáveis à dedução, à especulação, à magia. (SONTAG, 2006, p.33)
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